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terça-feira, 10 de maio de 2011

Dona Quixote

Banho literário


Ela era assim, mais ou menos como um D. Quixote, (a quem a literatura de cavalaria deu volta ao miolo), mas ao contrário… Do outro lado…. A sua realidade também derivava directamente da literatura, só que na outra vertente romanesca de Cavalaria. De um lado há o Cavaleiro … E do outro, não a cavalgadura, mas a donzela… Se o Cavaleiro da triste figura, via em tudo demandas de combate pela sua dama… Ela via em quase tudo a quietude frenética de seu ser, agitado objecto de amor, sem saber exactamente que coisa seria essa do amor. Isso e o resto….
O seu universo era um romance de cordel (tipo telenovela), mas erudito - que isto de quem muito lê, “douto” se faz - e de um simples olhar, porque isto de ter os olhos abertos sempre dá para ter de os pousar em qualquer lado, fazer um jogo floral…. De um esgar, em resultado deste empolamento sensorial, um romance de capa cor de rosa de heroínas e vilões…. Naturalmente….
Escrito num guardanapo de papel, peripécias várias em carreirinha descritiva quase infantil, sustêm por assim dizer, a transparência de um coração ardente por quem o outro devia cruzar lanças. Mas qual quê! O outro só de aspecto se assemelhava a um cavaleiro andante …. Os longos cabelos loiros anelados que escorriam pela nuca até aos ombros…. O sorriso trocista e seguro de si…. O metro e oitenta e cinco, acima do solo….. Em tudo um perfeito cavaleiro como o dos livros de folhas cosidas, a linha de cersir, e a cavalo num Barbante, como bacalhau a secar…. Ou um actor de cinema… Ou prosaicamente um rematado malandro….
Comer ou dormir, ciclicamente, desapareciam na voragem da sua literatura que em realidade virtual ia virando…. (Harpejo a propósito)……Acordou, e esticou lânguidamente os membros cada um para onde Deus mandava, e o ventre em fogo e sentindo o suave bafejo do amante no seu pescoço…. Rebolava a pélvis ao ritmo da quietude do personagen que repousava a páginas tantas, do romance pousado na mesa de cabeceira, cuja leitura retomava para encher com um bom vinho de taberna, o copo vazio que eram as sensações que até aí, rasgavam o seu ser….
E “prontos”!!!!! Era mais ou menos assim, dia após dia cada livro servia-lhe um novo e ardente amante….
E tantos foram os dias, que ao deitar se sucediam, despertares subsequentes. Que deste “turbilhão” brotou obviamente um saber literário, como poucos…. E porque não usa-lo…. Sim porque não?
Quilómetros de boa prosa sobre relações entre potenciais amantes, onde está tudo o que deve ser dito…. Mas que já terá sido dito algures numa novela de cavalaria qualquer.
Uma Quixotesca literatura….
A literatura arrebatadora, de sensações fortes, gera mais autores e assim…. Que a vida prosaica, trave mestra do conhecimento.
E deve ser exactamente por isso…. Por ser autêntica e tão prosaica, que dá trabalho encontrar heróis que valham a pena descrever e apresentar…. Que coisa penosa….
  
                                          António Capucha
                            Vila Franca de Xira, Maio de 2011

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