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sábado, 26 de março de 2011

O SONO NÃO É A ANTE-CÂMARA DA MORTE!

Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada

Acordou e ainda estremunhado vai a pouco e pouco tomando consciência de si. Identificado que foi, passou à segunda fase: As memórias mais recentes… Terá sido um terramoto, e dos bravos… Tudo abanava furiosamente. Amparou-se e amparou a mesa do computador onde estava a trabalhar, mas as rodas não ajudaram nada. E aquele barulho, misto de motor a gasóleo duma moto bomba e ranger de dentes, alto, forte, em sensurround. Todo o seu corpo vibrava, como as paredes, portas e a tralha toda a desabar. Não sabe ao fim de quanto tempo se sentiu cair à cambalhota com as traquitanas todas, o chão e tudo, como que apanhado num vórtice. Depois não se lembra de mais nada…. Mais tarde acorda e apercebe-se de que não se pode mexer. Na total escuridão sentiu-se encasulado entre cacos…. Sentiu a cara suja de arenito e poeira e tentou limpar-se mas os braços não mexeram mais que isto… ficando-lhe apenas a solução de soprar tentando com o lábio inferior dirigi-lo para a cara…. E aquela coceira…. Realizou a sua situação que várias vezes tinha imaginado ter sido a de outros que ele sabia pelas reportagens da TV. Assim estiveram no seu tumulo de entulho, o mais das vezes. Agora chegara a vez dele….. Que situação…. Talvez se gritasse, quem sabe… Sem saber quanto tempo esteve inconsciente, se calhar já andam aí à procura de gente viva por entre os destroços, com aqueles cães maravilhosos…. Se escapar desta arranjo um cão….  E bem grande, para que bem se veja. Com aqueles olhos redondos e doces, sempre a mendigar uma atençãozinha do dono, Aquela comichão que não pára. Agora deu em dormência. Não sentia o corpo… Nem frio nem calor…. Será isto a morte?
Depois, digo eu que o sei, caiu de novo num estado de letargia, dormiu por sei lá quanto tempo e ele ainda menos o sabe….. Quando despertou, também sem referência temporal que se veja, sentiu sede e o estômago ondulava como uma lesma do mar, e fazia uns “borburejantes” ruídos, como o murmúrio de um regato a serpentear numa floresta de coníferas verdes e altas como torres … Este quadro entreteve-o por breves instantes. Não tardou a que a sua desdita gritasse mais alto que as coníferas….. Começou a sentir dores por todo o lado, até os cabelos a crescer produziam dor. Respirava, percebeu-o por fim, inspirando pequenas quantidades de ar, e a um ritmo muito mais intenso que o normal,,,, respirou fundo mas ficou-se pela tentativa, o peito não podia mexer-se mais que aquilo que tinha mexido até então….. Oprimido por qualquer coisa que também o obrigava a ter a cabeça de lado sem a poder rodar…. Mas podia gritar por socorro…. E fê-lo a custo e teve que respirar à cão durante imenso tempo para ganhar ganas para gritar outra vez…
Quanto tempo terá passado? A imponderabilidade do escuro deixa-o sem referências… Enterrado vivo há, não sabe que tempos….. Demasiados…. Decididamente demasiados!
Volta a pensar nas coníferas a ondularem ao vento, Criptomérias, suponho…. E não supôs mais, volto a dizer eu que o sei: Adormeceu de novo.  Ao fim de muito tempo, despertou na cama de rede do quintal com o vento do lado do mar a tonificar-lhe a tez…. Estaria a sonhar ou ouvia um cão a ladra, não…. Mais a latir, a suplicar que lhe dessem atenção. Dizia lá no seu “ladroês”: ‘Tá aqui um….. Depressa…. ‘Tá aqui um….. O homem começou por ouvir o cão mas agora distinguia “vozerio” de homens a que veio juntar-se um raio de luz que até lhe feriu os olhos. Num ápice, ouviu uma voz mais perto que num sotaque micaelense Diz: Áh “amêgo”, é só um becadênho qu’a gente já o têra daê!!!!! Nem conseguia pensar…. Acho que um sorriso tomou conta dele  e passou-lhe tudo num repente. Sentiu que se erguia qualquer coisa de cima de si . Ficou solto....Então pode ver o homem que falou com ele. Um armário de cozinha bem aviado,  tudo p'ra mais, nada p'ra menos, vestido de Bombeiro. Este pegou-o ao colo. Apesar da euforia de se sentir salvo, aqueles movimentos  acordaram-lhe dores tão fortes, que desmaiou de novo. E quando deu por  si  estava entre lençóis de uma alvura imaculada numa cama do Hospital com uma matula de profissionais de saúde à volta da cama. Todos com um sorriso a rasgar-lhes os rostos.  Então um mais velho  e risonho, Pergunta-lhe:
- Sabe quanto tempo esteve debaixo daquela lixarada?
Abanou a cabeça, que não!!!!
Dez dias senhor…. Dez dias, meu amigo…. Como é que foi capaz de resistir tanto tempo sem água nem nada?
Dormi “S’ôtor”….  Sobretudo dormi!!!!
Afinal William Shakespeare, estava enganado, ripostou o bom do Doutor…. O SONO NÃO É, A “ANTE-CÂMARA” DA MORTE…..
Riram todos…..


                          António Capucha

            Vila Franca de Xira, Março de 2011

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