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terça-feira, 7 de junho de 2011

Ai Tónho... Tónho...


Há pessoas que são um autentica biblioteca, um depósito de “estórias” umas jocosas onde reconhecemos facilmente uma personagem rica, e complexa que nos apetece contar e descrever… E outras, tão dramáticas que nos deixam no limiar do desespero da esperança na raça humana… Onde a mesquinhez e venalidade das pessoas que somos nós, socialmente falando, nos dão um retrato que rejeitamos logo à partida por inestético e incontável…. Delas não faremos portanto “contas do nosso rosário”. Das outras sim…
E é pena que não tenham nomes mitológicos que lhes assentariam que nem ginjas, à sua façanhuda vida e qualidades. São prosaicamente: Tónhos, Bitoques, Tabefes e outros normalizados viventes, mas que pelos seus “repentes” haviam de ser Ícaros, Hércules, Ulisses e outras homéricas criaturas….
Um dos maiores mananciais de episódios de figurantes desta estirpe, é Uma senhora dona de um Jardim esplendoroso e uma casa linda, um museu vivo, e que para além de me alugar uma casa em Peniche, faz o favor de ser nossa amiga e vizinha exemplar. A senhora, viúva há uma porção de anos, conserva frescas as “estórias” do marido que foi, como a maioria dos penicheiros, de uma vida ligada ao mar, ao peixe e aos pescadores. E não só ali, as suas derivas exploratórias estendiam-se a um vasto território que ia das Caldas à Nazaré e até mais longe onde a vida o levava. Ora, contava ele e a querida amiga da senhora reproduzia, sem lhe acrescentar variantes, que naquele tempo havia na Nazaré uma personagem de nome de guerra: Tónho, que não era muito amigo do trabalho. Não aduz a “estória” razões, mas é derradeira nesse aspecto… Talvez porque apreciava mais o aconchego do rabo, proporcionado pelos bancos da taberna e a “tonteira” que o vinho lhe dava, que os perigos da azafama do mar.
Reza no entanto a “estória” que o bom do Tónho, movido por sabe-se lá que devaneio, um belo dia conduz a bateira até ao mar. Pouco sabedor destas coisas, empurra a embarcação mar adentro, até ter altura d’água para lhe saltar para dentro e meter-lhe os remos. Só que o mar estava bruto e mesmo ali “à babuje”. Vira-lhe o bote e dá-lhe uma palhaça. Ele quase não tinha saído do areal, põe-se de pé num salto e desenhando uma cruz para o mar, com o braço direito no ar, Grita triunfante:
- JÁ NÃO M’ÁLIMPAS-TE…. JÁ NÃO M’ÁLIMPAS…
E virou costas ao feroz inimigo….

Claro que isto é o que foi testemunhado, por várias pessoas, pescadores e não só, daquela comunidade piscatória… E por assim ser, faz agora parte dos Anais… E refere-se a propósito que a promessa foi cumprida, pois nunca mais ao Tónho, alguém viu a ir ao mar… Há até no cancioneiro nazareno uma cantiga popularque reza assim:
-Não vás ao mar, Tónho 
Podes morrer tónho.
Ai Tónho ... Tónho...
Tão desgraçado és.
Ai Tónho ... Tónho...
Nem 'mas botas tens p'rós pés...
                                                     
                                                   António Capucha
                                     Vila Franca de Xira, Junho de 2011

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