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A companhia de teatro “Teatro do Zero”, levou à cena, ontem à noite, no Ateneu Artistico Vilafranquense, A peça: “O jogo dos mitos Cansados”, baseado na obra de Alves Redol: “O Destino morreu de repente”. Projecto ambicioso para um grupo recente, mas que revelou uma capacidade de realização notável. Ainda para mais que se sabe que a direcção do dito Ateneu, não ajuda a não ser com a cedência das instalações para ensaios e espectáculos. O projecto de encenação era rico e imaginativo. Quem conhece a obra sabe que o autor estava a sonhar d’alto quando faz algumas recomendações ao encenador. Isto para a época, Já se vê (1967). Uma das sugestões era que as cenas decorressem em “teatro de arena” (um palco central rodeado de espectadores por todos os lados. No caso um circo…) Alterando assim todos os conceitos da encenação tradicional, pois deixa de haver boca de cena direita e esquerda baixas e altas. Enfim… É um desafio para qualquer encenação e qualquer grupo de teatro… O grupo de que vos falo, amador, pois então, não acusou o toque e em boa medida ultrapassa até o sonho de Alves Redol. Muitos dos seus elementos revelam ainda alguma imaturidade a nível técnico. Como seja a colocação de voz que nas circunstâncias presentes era um “handicap” a vencer. A sala do ponto de vista acústico é mázinha…. Mas não foi o suficiente para impressionar os actores, revelando um bom nível de execução, quanto mais não seja plástico. Notava-se neles uma enorme alegria no que estavam a fazer. A música ao vivo era de bom gosto e de muito bom nível , executada ao que julgo saber por elementos da banda filarmónica do Ateneu.
Não deu foi para vencer todos os “quid-pró-cuós” da sala e sobretudo do palco, convencional, que no lugar da boca de cena tem a boca do inferno. Um estúpido fosso de orquestra que duvido alguma vez venha a funcionar como tal. Mas até esse acidente foi aproveitado a propósito pela encenação. O regresso dos mortos à presença do destino emergem das profundezas do fosso. E o Destino, perdão: Sua excelência o Sr. Destino, já agora diga-se interpretado superiormente, quando lhe dá o fanico também se desvanece pelo fosso abaixo.
Mas a propósito deste assunto, deixem que vos conte uma História, verdadeira aliás.
Quando inauguraram aquela sala, ainda no osso, (cimento à vista e tal….) convidaram para anacrónico evento o Maestro Vitorino de Almeida que perante aquela mastodôntica coisa que era a sala e o palco, muito educadamente como é seu hábito, referiu que a polivalência que lhe foi sugerida pela direcção e que para ela justificava aquela dimensão das coisas, era porque diziam estavam a pensar trazer cá espectáculos de Ópera e tudo…. E o bom do maestro disse-lhes: Pois é, mas nem uma opereta de média dimensão aqui se pode realizar quanto mais uma Ópera de autores consagrados. Os bastidores devem ter aproximadamente o dobro da área do palco, o que obrigaria a reduzir o anfiteatro consideravelmente. A verdade é que as direcções de então para cá não tiveram o engenho ou a vontade de cobrir o fosso d’orquestra, e desistir da impossível polivalência do auditório. O maestro referiu ainda que era um erro facilmente corrigido na origem, e sem gastarem dinheiro em projectos de arquitecto. Bastava que perguntassem a um carpinteiro de cena do S. Carlos como é que se fazia…Educadamente disse sem dizer que tinha sido feito por quem não entende patavina do assunto… Chamou-lhes pacóvios arrogantes, como são todos os pacóvios… Bom mas chega de má língua….
Votemos à peça.
Uma palavra de apreço igualmente para os figurinos vistosos alegres e a propósito… Aquela das botas de saltos altos do Relacções Públicas é do camandro! E os adereços de cena montados sobre rodas convertem as mudanças de cena também em espectáculo… Refira-se como discriminação positiva o conjunto adereço de cena (de rara beleza plástica), figurino e iluminação da cena do Inefável Senhor Destino e não sei se já disse, mas nunca será de mais dizer-se: Servida por uma interpretação daquelas que representa e põe todos os elementos em cena a representar… Isto sem desprimor para os outros, que podem ter nele uma referência, que faz sempre falta em qualquer grupo de teatro.
Espero que o grupo prossiga e se desenvolva…. A quem tomou nas suas mãos a responsabilidade de arrancar com este projecto, à direcção de actores e encenação peço-lhes que não desistam. E encontrem as formas de equilibrar e superar as dores tortas de crescimento que este ou qualquer outro grupo de teatro tem.
Se servir de alguma coisa, há aqui um espectador que enternecido se confessa. E como não sabe rezar, deseja ardentemente que ganhem asas….
MUITOS PARABÉNS A TODOS SEM EXCEPÇÃO…..
António Capucha
Vila Franca de Xira, Julho de2011
P.S.- À “posteriori” fui informado que o fosso de orquestra estava tapado e foi aberto para ser aproveitado para as cenas referidas. Mas isso não desdiz do que referi ser uma estrutura errada no palco…. Um fosso para os efeitos que foram encenados desta forma, seriam e teriam a mesma força cénica, a meio do palco como é habitual. A boca de cena é como o altar mor de uma igreja. Isto é: A zona mais nobre e onde se dá a interpenetração entre actor e público… Cenas houve que perderam com essa distância a que o fosso obriga….
1 comentário:
Ainda bem que gostaste!! Fiquei curioso, mas tu piraste-te antes de sairmos...
Foi uma construção difícil (ainda que a direcção do Ateneu nos tenha dado mais apoio do que apenas as instalações), mas o resultado foi bom e provámos que é possível fazer coisas com qualidade e que comecem a fidelizar público - para o teatro e para a participação cultural e pública em geral. Agora é continuar...
Grande abraço.
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