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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A febre do ouro

Banqueiros

O “Shou” “Shilva” compôs o capachinho seboso no alto do bestunto, ao passo que coçava a nádega esquerda, e esticava o lápis na direcção do empregado mais novo,único para além dele, do estabelecimento: “O Apara Lápis Azul” - Óh Jorge traz aquela caixa de “punaises”,  ali de cima da prateleira.  A lojeca era uma coisa vetusta e sem luz e o seu infausto dono o Sr Silva, não atendia os clientes a não ser em circunstâncias muito excepcionais. Passava todo o santo dia atrás de uma pequena mesinha alta em intermináveis contas e cálculos que lhe faziam chorar os olhos papudos por detrás dos óculinhos  redondos de lentes garrafais com hastes partidas e atadas com adesivo de pensos. Da sua figura perpassava a incongruência dos parcos cabelos grisalhos na nuca e pescoço, e o negro quase azeviche da touca capilar que compunha amiúde.  Das faces pálidas caía-lhe uma barba branca, escorrida e esparsa, que lhe dava pelos peitos. O desgraçado do Jorge era o pau p’ra toda’obra. Vendia os caderninhos de papel agrafado de sebenta, aos putos lá da rua. De quando em vez um lápis ou uma pena de ardósia, uma borracha ou outra, raramente um apara lápis…. Aparos canetas e tinta eram uma raridade, porque já custavam vinte e cinco tostões que para a maltosa do bairro era caroço a mais. O negócio não era por aí além neste particular. Daí que o indecoroso ancião mantivesse à revelia da licença, particularmente portanto, um negócio paralelo de prestamismo. A que se juntava a compra e venda d’ouro prata e jóias e demais coisas de valor, que “vocência” possua e que queira transformar em dinheiro…. Preço justo! Rezava no cartaz desenhado pelo Sr. Jacob Silva numa letra rubicunda, para fixar o qual, pedira os punaises ao Jorge….. O “invejoso” ainda se dava ao luxo de filosofar… Num outro cartaz dizia: Vão-se os anéis … Fiquem os dedos….
A rudimentar montra expunha a felicidade frustrada do Bairro… Brincos anéis, antes dádivas de amor, que não foram resgatados jaziam agora em almofadinhas carmesim muito mais caras do que terão rendido ao antigo dono, parecendo esquifes de amores mortos… Ao Jacob, isso pouco dizia…. Ãhh estes gentios, Não tarda nada já cá estão outra vez…. E não é para comprar sebentas não… Fadistas…. Dêem-lhes fado e tudo vai pelo melhor… O velho agiota, encontrava sempre uma forma de legitimar a sua ganância. E atribuía a si próprio assim como que o papel de  um anjo vingador divino, dos vícios sociais e outros , já se vê….  Mas um dia…. Melhor, uma noite…. O Judeu que dormia paredes meias com a loja e com um olho aberto e outro fechado, foi assaltado e levaram-lhe o “Ourinho” todo que ele tinha na montra e na gaveta da escrivaninha alta em que costumava trabalhar a contar e recontar os haveres, os já havidos e os a haver. O homem deu em louco acusou o pobre do Jorge de estar metido no golpe, oxalá estivesse. Sempre se fazia alguma justiça à exploração de que era vítima. Digo eu em surdina…. A custo  a D. Sara leva-o para a cama de onde já não saiu. Sucumbiu a uma febre tenaz que não o largou mais até sair co’s pés p’ra frente…..
Será que é esta a febre do ouro????

                                 António Capucha

                 Vila Franca de Xira, Agosto de 2011

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