Endereço do blogue........peroracao.blogspot.com

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A borrasca

Cabo Carvoeiro



A borrasca.


O vento estava algo forte. Mas isso não era de forma alguma desculpa para não sair para a tarde de outono, que, para o que havia ameaçado de manhã, estava até muito comedido.
A natureza forte do promontório do Cabo Carvoeiro, apresentava a sua variante: paleta de cinzas. É a minha preferida. Uma gama infindável de tons de cinza aqui e ali salpicada do dourado do Sol, dos ocasionais e breves rasgões no tecto de nuvens, que decoravam o mar como se fossem fitas de árvore de Natal. Estávamos todos na rua, eu a minha mulher a miúda e o cão a usufruir do facto de não haver nada para fazer. A não ser apanhar pedrinhas com pequenos fósseis de estrelas-do-mar (Crinóides) ou fazer bolinhos de barro e areia e também não deixava de ser interessante fazer covas entre as camarinhas Para fazer saltar coelhos que teimavam em não colaborar na brincadeira.
Coisas do arco-da-velha. Um dia em cheio…. Com este pensamento deu-me a vontade de uma bebida quente no bar empoleirado no Cabo, a ”Nau dos Corvos” ali mais à frente. Virei-me nessa direcção em meti pés ao caminho…. E quando cheguei à estrada apercebo-me de uma mancha de um cinzento acastanhado com raios e coriscos em todas as direcções como nunca vira igual. Vinha de Sudoeste e a galgar mar à força toda. Primeiro fiquei especado ante aquela manifestação de poder. Depois realizo o potencial perigo da coisa e grito para todos…. É lá…. Fujam para casa e aponto na direcção da borrasca. Nem pensaram duas vezes, ála que se faz tarde!!!!
Eu agarrei no cão que relutante lá deixou a pista dos coelhos, corro para casa fecho tudo às sete chaves estores e tudo.
Não chegou o relógio a cumprir uma volta do ponteiro dos segundos, e uma barulheira infernal, misto de chuva, vento e trovões em grande confusão, abateu-se sobre a casa parecia que ia tudo pelo ar. Apesar dos estores corridos entrava água como se a janela estivesse escancarada. Foram precisos vários minutos, não cuidei de saber quantos, para que passasse a nossa ansiedade. E bom…. Estávamos todos, e bem. Desta já nos safámos….. Saí para a rua e olhei de fora o casarâo. Aparte uma ou outra placa de “Lusalit”fora do lugar, um ou outro estore arrancado ou desencaixado, até que o casarão aguentou bem aquela coisa que ainda hoje estou para saber o que, e eu já tenho uma dose destas coisas. apreciável. Furacão ou esfola gatos, vá lá saber-se... Mas que foi o Diabo foi!!!!!
Chatice …. Já não fui ao bar. Os bolinhos de barro e areia desfizeram-se. Apenas a falésia dos Remédios a Berlenga e o mar estavam na mesma. Impávidos e serenos sob o Sol que os bafejava, em desafio gritavam: Manda-me dessas que dessas já cá tivemos muitas.
E querem saber uma coisa? Eu até acho que sim!!!! Hão-de ter sido inúmeras coisas destas que fizeram o conjunto arquitectural natural que nos deslumbra. Nós é que a provar que não somos perdidos nem achados nestas coisas, ficamos tolhidos de medo da natureza… Como se não fizéssemos parte dela…. 
Presunção e água benta cada um toma a que quer!!!
Isto aprendi eu naquele dia e muitas outras lições tenho aprendido e aprenderei, em circunstâncias semelhantes, desde que tenha a humildade e a clarividência de me aconchegar ao meu pequeno canto e esperar que a coisa passe…. È só o que podemos fazer….. Esperar que passe…..  

                                          António Capucha
                                  Peniche, Setembro de 2010

Sem comentários: