Endereço do blogue........peroracao.blogspot.com

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Palhoça, ou: O escravo do amor!

                      


Palhoça, ou: O escravo do amor!
Todas as manhãs naquela caserna do R.I. 5 - Caldas da Rainha, após o despertar tocado pelo corneteiro dava-se o toque de alvorada privado da companhia de caçadores…. Era o Palhoça, assim chamado porque era essa a sua proveniência uma encenação mil vezes repetida mas sempre diferente….
Ora o bom do Palhoça, que dormia no beliche de primeiro andar, sensivelmente a meio da caserna, erguia-se da cama e punha-se de pé em cima dela, e ainda com as marcas da noite bem dormida e do calor da cama bem adivinhável por baixo das calças do pijama não é impunemente que se tem pouco mais de vinte anos e saúde a rodos. Que isto é como dizia o avô de uma pessoa da qual não divulgo o nome para eu próprio, não ser posto a pão e laranjas. O senhor em causa operário da CP no inicio do Século passado, Anarco- sindicalista, grevista e tudo! Era pessoa de palavra e trato fácil e dizia-me então com o seu ar de filósofo operário: Olha pá…. Debaixo dos pés se levantam os trabalhos. E debaixo dos lençóis se levantam os c……. Bom, rima com trabalhos e é substantivo macho e também plural……
Nestes preparos o Palhoça preparava a sua récita…..
E hei-lo que começa:
- É o palhoça….. O escravo do amor….. Com os olhos vendados p’la bandeira nacional….. Cruza e descruza os braços……. PALHOÇA….. O ESCRAVO DO AMOR!!!!!
Isto assim dizia ele com o tom nasalado…. Que é como quem diz, com os dedos a apertar o nariz a imitar os altifalantes de corneta das feiras de então num Poço da Morte virtual…… Nasalado diz-se sem propriedade porque devia dizer-se inasalado isto porque ao som normal é retirado a caixa de ressonância natural formada pelo labirinto acústico do nariz e as fossas nazais por onde sai uma componente do som sem o qual chamamos nasalado…… Mas porque se lhe retirou oefeito nariz devia dizer-se anasalado ou inasalado. Bem Acho que mais ninguém interrompia uma descrição tão empolgante para perorar sobre este assunto…. Mas que querem é mais forte do que eu….. Voltemos pois portanto à “estória”
Mal ele começava a “converseta”, era a deixa para o restante pessoal atirar botas toalhas e mais ou menos tudo o que exprimisse o nosso enfado e não fosse suficientemente expressivo para o aleijar…..
O nosso Homem já nem sabia muito direito onde é que tinha ido buscar a ladainha, sobretudo aquela do: Escravo do amor…..Mas que merecia umas botas e chineladas…. Áh lá isso valia…..
Amores potenciais, desmedidos e vontade de andar de mota às voltas no Barril de fundo arredondado que era o Poço da Morte.
Não sei se estão a imaginar bem o filme. O rapaz de pé em cima da mota, as pontas da bandeira Nacional a dardejar ao vento da deslocação do ar e o cabelo a esvoaçar, braços abertos que cruza e descruza, camisa negra aberta até onde a decência da época o permitia, botas em couro preto de cano alto…. E aquela coisa berrada nos altifalantes a condizer com o enorme sorriso de felicidade de vencer o tempo, menos um dia para a “peluda”…..
Nunca mais desde esses tempos, o vi. Ou a qualquer outro daquela coisa que foi a tropa. Também não soube de qualquer encontro da naftalina, da C. Caça. de mil novecentos… e tal….. E se houvesse não sei se iria. Acho que sucumbiria a uma apoplepsia ao ver o Escravo do amor careca gordo e a chamar-se Jacinto…….
Foram pessoas como ele que evitaram que aquela passagem pela ordem militar fizesse mais estragos do que fez…….

António Capucha
Peniche, Setembro de 2010

Sem comentários: