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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

"Manél" o matador de cobras




“Manél” o matador de cobras
Palavras não eram ditas já o pássaro ia no ar… E a cobra, dengosa, desenrolava-se da mola que formara para saltar e aparentando desdém parte dali, por entre a erva seca da charneca.
O alecrim e rosmaninho expeliam fragâncias que perfumavam o ar. E o Sol, aberto, desbragado, castigava o ambiente com o seu olhar de rei.
Um fio de suor corria-lhe da fonte até ao queixo percorrendo-lhe a face imberbe de menino.
Um pouco mais à frente um dos seus tios agachado armava um dos “costelos” que traziam para armar aos pássaros. Mete-lhe a “formiga d’asa” na armadilha e disfarça-a com restolho folhas e ervas. Ouve então o sibilino silvo da cobra a pouco mais de um metro dele… Era preta e estava pronta para saltar-lhe em cimo e morder-lhe… Lentamente ergue-se apanha um calhau de respeito do chão, e como um raio atira-o à cabeça da bicha que ficou a contorcer-se e a rebolar com a cabeça mais achatada do que já era e a boca retorcida…. Os seus olhos de menino, ávidos, seguiam a cena gravando meticulosamente na memória, cada detalhe, sulcando-a bem. E de tal maneira bem ficou, que, ainda hoje lhe parece que a está a ver. Foi isto que lhe ficou daquela manhã de Julho de mil novecentos e cinquenta e qualquer coisa, seis, sete, ou oito.... sei lá!
Antes de irem armar aos pássaros, foram apanhar “formigas d’asa” que são como o nome indica umas formigas grandes e aladas,  que naquela época do ano eclodem e  são assim como que uma orgia alimentar para a passarada da charneca envolvente da Aldeia de Tinalhas… Como em tudo o mais, a relação das pessoas da terra com a natureza,  são de respeito, não é como, quando e o que elas querem., mas sim quando a natureza está receptiva para isso e o autoriza…. Mas o que é importante aqui dizer é que ele , o gaiato, não recorda uma centelha do que foi essa caçada das formigas, Nem do caminho que fizeram desde casa, tão pouco o regresso está presente. Este episódio - da cobra - está assim como que suspenso do tempo e a valer por si só desgarrado de tudo o que o precedeu e o que se lhe seguiu…. O seu tio “Manél”, não era um atleta, tão pouco um atirador especial.  Mas aquela pedrada certeira na cabeça do que sei agora ser, melhor - ter sido - uma víbora, esse sim é um acto memorável. O Rambo que nos entra pela casa dentro sem pedir licença e sem que tenha sido convidado, ao pé dele é um caldinho de galinha…. Um produto de segunda escolha, que não sabe distinguir uma víbora de um carapau. E por isso desanca ambos. Isto porque no fim só pode sobrar um de pé, e manda o guião que seja ele…..
Mais logo depois de meter os passarocos caçados na gaiola grande do quintal. Um deles era redondo e gordo e cantava como se o estivessem a matar, os pintassilgos  esses chilreavam comedidos e serenos, parecia que estavam em casa....
Como íamos dizendo mais logo, o almoço era devorado na "broa", porque dalí  haviam de ir à festa da Raínha Santa Isabel, e ele estava autorizado a macaquear atrás da banda onde tocava o “Zé Coradinho”  que também era o “choufeur” da “camionete” que fazia a carreira para Castelo Branco… Mais lá para o fim da tarde quando o calor abrandasse, haveria de ir ver o jogo da bola, solteiros contra casados onde o seu herói, o imérito matador de víboras, ia marcar um “golaço”, assim cá de fora da rua…. Sorte????
Não senhor…. Pontaria de matador de cobras é o que é……


                   António Capucha
Vila Franca de Xira, Setembro de 2010

Ps – Esta é uma homenagem singela, mas sentida, ao meu tio Manuel recentemente desaparecido.

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