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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Boi




O boi
No recreio da Escola da Bica do Chinelo, Não se brincava à “apanhada”. Sendo esta substituída pelo: brincar ao boi, que era em tudo semelhante só que, o que “ficava”, tinha um par de cornos enfiados nas extremidades dum pequeno pau, pegando-lhe ao meio com ambas as mãos e assim armado, perseguia os outros que lhe tentavam escapar. Quando filava algum dava-lhe umas cornadas, nada de grande monta, para além da vergonha de ter sido caçado. Ao contrário da “apanhada” o que “ficava”, aqui “ficar”, não é ser ou estar…. Era o que tinha que perseguir e apanhar os outros. O primeiro a “ficar” era sorteado pelo método da ladainha na qual cada um era apontado e ficava livre, ao ritmo silábico do: Um..dó …li… tá…. E por aí fora até ao ultimo que restava, que era o que “ficava”. Na variante do boi era bem mais simples…. O boi era o dono dos cornos, ser o boi não era uma selecção negativa e percebe-se porquê…. É que tinha o privilégio de dar porrada bravia, sem que isso fosse tido como acintoso. Os toureiros de circunstância ao contrário de na apanhada, não tinham direito a “coito”, assim chamado porque era onde, na “apanhada” nos podíamos acoitar, sem que “ficássemos” nós, caso fossemos apanhados…. No boi era como se sabe, nós pelo menos sabíamos, Para escapar ao Boi ou corríamos desesperadamente, ou subíamos às árvores, galgávamos muros ou íamos para qualquer lado onde um touro verdadeiro não chegasse. Coisa que dava origem a várias discussões acerca da plausibilidade dos movimentos do Boi… Aquilo era boi que até subia às árvores… O chamado Passarinho de quinhentos quilos!!!! Que só não voava, penso!!!!!
Esta brincadeira teria tudo a ver com o facto de sermos Vila-franquenses, uns de gema, outros de adopção. Naquele tempo os touros vinham pela Ponte sobre o Tejo, com campinos e cabrestos. Não raro, havia tresmalhes porque a populaça os chamavam: Éh boi… Éh boi… e lá derivavam do caminho para a praça de toiros. Um dia foi um lá para os meus lados e aquilo é como se fosse tudo automático…. Era hora de almoço e os homens saiam a correr de casa a perseguir o boi e as mães corriam à rua a arrebanhar os filhos mais pequenos… Passam uns homens a correr depois aparece o touro e após este dois campinos a cavalo numa correria desenfreada. “Granda” festa…. Isto em minha opinião prova que é algo mais do que simples, digamos que, desporto local… Isto já é cultura e ancestral, vem já no ADN…. Ou quase... Pelo menos aqui, é!
Mas íamos no intervalo escolar….    
Ao cabo de algumas cornadas, escondiam-se os cornos no sítio habitual, Porque a campaínha já havia tocado há algum tempo e afogueados e a transpirar voltávamos à sala de aula onde o: Dó....li… tá…. Cedia o espaço ao: 2x1 – dois; 2x2 – quatro; 2x3 - seis… Uma ladainha cantada a preceito….
A D. Conceição com o seu olhar penetrante, com o ponteiro marcava o compasso e estava atenta a qualquer fífia do orfeão….
Nas filas de trás negociava-se com o dono dos cornos a cedência destes para o dia seguinte. A poder de “chupas” de caramelo de açúcar envolvidos por papel colorido e um palito espetado, que uma velhota vendia ali mais abaixo, no largo do tanque das lavadeiras, a dois tostões cada. O dono dos Chifres lá ia lambuzar-se  até lhe doerem os dentes…. Que inveja….. Depois era esperar pelo outro toque de campainha, o da saída e  largávamos esbaforidos, como bandos de pardais à solta, como diz o poeta, eu não conheço imagem que melhor descreva a circunstância.
É Outubro são os primeiros dias de escola e de feira de Vila Franca….. E de Esperas de touros.
Com muito pouca fé pergunto: pai, posso ir?
Claro que não!
Ora …. Não faz mal …. Amanhã no recreio da Escola da Bica do Chinelo, há touros com cornos e tudo!

               António Capucha
Vila Franca de Xira, Setembro de 2010

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