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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Figurão

Fazendeiro ribatejano- fato domingueiro
Até a calçada gemia baixinho quando ele a pisava no seu caminhar elástico e com as botas de salto de prateleira chiantes, quando o pé dobrava, e tilitantes quando o calcanhar aterrava nas pedras e fazia tilintar as esporas. As calças estreitas cinzentas e de cós alto com braguilha e ataduras até ás costelas. Camisa sem colarinho virado, branca e com rendado de alto a baixo na abotoadura. Uma jaqueta negra arqueada nas costas e ligeiramente mais alta de frente , com as pontas sobre o abdómen bem domado pelos abdominais treinados no balanço do cavalo…
A cabeça altiva e de pele tisnada pelo Sol, de expressão serena e segura e no alto um chapéu à marzantina, inclinado sobre o seu lado esquerdo e levemente descaído para a frente.
Nestes preparos, que diga-se, era praticamente a sua farda de trabalho. Entrou no Café A Brasileira Ali na rua da Estação para beber um refresco e fazer tempo até que a sela estivesse pronta…. Tinha deixado o cavalo ali atrás no Lira para que lhe cosesse a cilha que estava a ameaçar partir-se… 
Já agora vale a pena meter aqui uma bucha. Naquele tempo a Vila era uma verdadeira metrópole de uma vasta região que ia dos montes quase até ao Sobral e de toda a Lezíria grande. O comércio da vila estava todo virado para essa realidade . Era, por exemplo, onde se podia encontrar toda a sorte de alfaias e outros artefactos e ferramentas agrícolas. E se por acaso o forasteiro tinha a desdita de perguntar a alguém onde é que arranjava isto ou aquilo, era-lhe logo indicado o "Lira".... Quando lá chegava  é que o homem realizava que lhe estavam a chamar besta. já que o Lira era um artesão que fazia e reparava albardas, selas e tudo o mais para bestas.... Esta era uma pequena velhacaria dos gentios que aqui deixo registada por ter uma boa dose de piada e porque era francamente inocente.... 
Onde é que eu ia??? Ah já sei....E já se vê…. Lidar com toiros, numa volta mais apertada partir-se a cilha…. Era queda garantida e até à colhida da besta cornuda…. Iria um quase nada…. E ele quer ver se continua direito e matador das senhoras da vila…. E não um Quasímodo disforme…. Ah, estão a vê-lo? Era o rapaz mais garboso da Vila. Agora coitado…. Foi um Toiro à desfilada…. Ouvia-se guitarras e fado Ribatejo nas cabeças que assim falariam e que tal diziam fatalistas. Um amor adiado para nunca mais….
Era pois para que este quadro “dantesco” nunca visse a realidade, que o Lira estava a coser-lhe uma nova cilha que havia de cingir o bojo do alazão…. 
Mas, ai de nós que apenas descrevemos as aparências…. A realidade é que este garboso rapaz, nunca viu um toiro a não ser nas corridas e no prato ou num dos muitos talhos do mercado municipal da Vila, só que uns de morte anúnciada e outros, mais que mortos. A sua ligação ao campo e à ruralidade era apenas familiar. Era filho de um abastado lavrador, que também não lavrava, era mais proprietário rural, que é outra coisa… Ia mais vezes ao Banco tratar de negócios, que à lezíria ver o gado ou as searas… Que também não amanhava… Sub-alugava a um qualquer gerente bancário que por sua vez fazia com que alguém fizesse, uns trabalhos de loteamento  e os alugava aos seareiros vindos donde calhasse, para criar o melhor melão do País. Pois este senhor e a sua esposa, estragaram o filho com mimos a tal ponto que as suas únicas actividades eram as rondas dos cafés e tascas (que saudades eu tenho das tascas da Vila), de onde voltava a casa a maior parte das vezes de gatas ou agarrado ao pescoço do cavalo para não cair. e o resto do dia, atafulhado de petiscos e vinho, nem jantava com a família,  começava a perseguir as criaditas lá de casa…. Miudecas…. Que as mais velhas eram mais bravias e um dia até a Mariana lhe atirou com uma panela acima e lhe partiu a cana do nariz…. Especializou-se portanto em cachopitas e em fazer olhinhos parvos às mulheres nos cafés…. Claro que o Pai o livrou amiude do correctivo dado por algum marido ou namorado que não aceitasse o dislate do sedutor Príncipezinho o  poeta de pé d’entulho…. O mais eram bazófias…. Figura tinha, mas mais nada além disso…. Figurão portanto era….. Que basta descendência deixou, já que figurões há-os aos centos….Apenas o melão e a verdadeira cultura taurina, continuam como sempre foram…. Esta fauna de Faz-de-conta, também está viva e embora se recomende, felizmente só volta nos dias de festa e é claramente um artigo para turista…. Como o “chocalhina com corna” de que falava o Raul Solnado.

                     António Capucha

     Vila Franca de Xira, Janeiro de 2011

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