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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Madalena




Madalena
Pela lei iraniana, uma mulher condenada ao apedrejamento deve ser enterrada até a altura do peito e golpeada até à morte por pedras nem pequenas nem grandes demais. As primeiras pedradas rasgaram-lhe a “icharb” deixando os cabelos a descoberto o que lhe acentuou a vergonha a somar à de ser suposta adúltera.
Um rapaz de tez queimada mas que se via não ser árabe, porque era loiro, rompeu por entre os executores e parou junto à mulher e abrindo os braços disse: STOP, FOR GOD SAKE… STOP!
Com o próprio corpo cobriu a condenada….
Sakineh Astiani abriu a custo os olhos e fitou-o bem no fundo daqueles olhos limpos e puros como água pura. Irradiavam doçura por todos os lados e a sua voz calma e doce fez-se ouvir de novo, sossega pobre mulher. E recebeu ele nas suas costas e um pouco por todo o lado as pedras que eram destinadas à condenada. As lágrimas dela queimavam-lhe o peito como se fosse lava. Aqueles breves instantes pareceram-lhe uma eternidade. Depois sentiu uma dor fortíssima na nuca e tombou sobre si sobraçando a mulher ou a parte do seu corpo que não estava enterrada, o seu corpo inanimado deixou de sentir as pancadas dos calhaus que os Homens “Justos” lhes atiravam. O sheik que presidia a lapidação ordenou: tirem daí o homem que nada temos contra ele e executem a sentença. Sem qualquer cerimónia os guardas islâmicos pegaram-lhe como num saco de lixo e lançaram-no na valeta contígua…
Os gritos da mulher rasgavam o silêncio dos algozes, apenas em surdina um ou outro pobre bruto, recitava versículos do Corão. Só se ouvia distintamente as pancadas das pedras no meio corpo da mulher que para alívio sobretudo dela e até dos que assistiam, já não ia durar muito. Deixou cair a cabeça para trás depois esta rolou sobre si mesma e ficou pendida para a frente com o queixo fincado no peito e os cabelos a varrer o chão.
Estava morta. E a honra do marido salva. Mas apenas a honra, que o remorso já começava a minar… Ali estava ele entre vivo e morto como num sonho e ela inerte. Aquelas mãos que o afagavam com uma ternura, os cabelos que negligenciava por sobre o seu peito enquanto o cobria de beijos…. E os olhos….. Mel preto, tãmras , tão doces que faziam doer….
E agora ali está ela, ela não. O que resta dela. Virou a cara de lado, não conseguia encarar com aquilo…. Que foste fazer, pensava. Áh não, mas agora podia voltar a andar de cara levantada era de novo um homem d’honra…. E prosseguiu o pensamento : Ora boa merda isso da honra…. Não voltarei a derreter-me lentamente, quando me deitava entre as suas coxas e a penetrava e ela me acariciava e me fincava as unhas nas costas quando o orgasmo nos rondava …. Uma deusa do amor…. Pensava! Estúpido!!!! É que nem sequer sei se me foi infiel ou não…. Estúpido. E os filhos, que ficam sem mãe…. Vão para a Madrasah e dalí ao Hesbolá é um pulinho…. Triste o destino dum pai….
Uma ideia começa a ganhar forma na sua mente enfraquecida. Pendurar-se alto e curto em casa, no seu quarto antes ninho de amor e hoje féretro do mesmo….
Isto era o seu pensamento que ora voava alto ora rastejava no pó… por fim repara na figura do estrangeiro caído na valeta….
Foram todos saindo do recinto e apenas ficou ele e o Homem que ninguém conhecia caído na valeta para onde o atiraram, um canito lazarento lambia-lhe as feridas.
Enxota o cãozinho e vai dali a correr à fonte onde molha um lenço branco e começa a limpar as feridas do rapaz estrangeiro. Este recobra os sentidos. E quando encara com o homem dá um salto para trás, ao que o outro erguendo ambas as mãos à altura dos ombros diz lá na sua língua de trapos que não, que tivesse calma…. Não queria fazer-lhe mal. Passado este primeiro impacto deixou-se tratar por ele, que em breve o ajudou a levantar e no seu Inglês macarrónico o convidou para um chá de menta.
Espalmando a mão sobre o peito exclamou: Muhammad. Ao que o rapaz ripostou: Zé luís.
Feitas as apresentações caminharam até casa do cidadão iraniano. Que começava a interrogar-se sobre a veracidade dos acontecimentos mais recentes. Aquela mulher que era, foi a sua, terá sido condenada por conjuntamente com o suposto amante o ter morto. Com efeito, estranhou que ninguém desse por ele, na arena de execução. Parou a estes pensamentos e recorrendo ao seu parco inglês pergunta:
- Are you see me?
- What????
- In earnest…. Are you see me?
- Of course I see you, Why ????!!!!!
Nada …. Nada, é só uma impressão….
Foram até ao bairro onde morava e subiram ao seu apartamento… Rasgaram o selo da policia e entraram
Enquanto a água fervia, o Zé Luis deambula pela casa e sente, dir-se-ia que, estava num cenário de um crime… E pensou: dois crimes no mesmo dia é demais…. Com este pensamento….
Subitamente acorda do pesadelo. Ao seu lado a companheira dormia como um bebé. Levantou-se devagarinho para não a acordar levou o portátil para a sala e respondeu ao “mail” que o convidava a assinar uma petição pública contra a lapidação da cidadã iraniana Sakineh Mohammadi-Ashtiani. Subscreveu-a e voltou para a cama feliz, com a sensação do dever cumprido.



António Capucha
Vila Franca de Xira, Agosto de 2010

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