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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Haja braço, ou o pescador d’água pé

Cruz dos Remédios - Peniche

O braço esquerdo e o indicador esticados e a apontar o chão fazendo um ângulo de 45° com o pavimento onde o pescador firma os pés. Constitui a régua onde se medem os tamanhos dos peixes que se pescam. Com os devidos descontos, naturalmente…. Que isto do tamanho do que se pesca tem mais a ver com a vontade que com a realidade.
Pois…. Então o braço esquerdo é a escala onde desliza o indicador da mão contrária (a direita) no sentido descendente até ficar definida a dimensão da pescaria. Haja braço, que ganas não faltarão. Se o bicharoco for maior que o braço, então a “impostorice” passa a ser medida em léguas, que é o sistema em que se medem as aldrabices. (ex: bom isso é uma treta maior que a légua da Póvoa)….
No meu passado recente de pescador viciado, é expressão maior das minhas frustrações a especialidade em pescar “grades” designação que na gíria define não pescar nada, O meu ar compenetrado e a roupa de ir à pesca que rescendia a “pexum”, para quem me visse nesses preparos, não diria da minha aselhice… Havia de parecer-me mais com um pescador daqueles de Peniche, a quem copiei o estilo que não a técnica, que infelizmente nem dá para copiar, envolve um sem número de saberes e instintos. E se os saberes se podem ensinar, os instintos não! Ou temos ou não temos….
Claro que eu era um mestre nessas coisas de “empatilhar” anzóis, usar as linhas certas e tudo o mais. Lembro a propósito uma cena em que estava a pescar em frente à casa, na “Cruz dos Remédios”, e uma família de “morcões” que vagueava de deslumbramento em deslumbramento no promontório que leva ao Cabo Carvoeira, planta-se ali ao pé de mim. Nisto o “morcão” Alfa, chega-se mais a mim e com a natural informalidade dos homens do Norte, ao ver-me “empatilhar” um anzol, diz: “Entom” pica ou não pica? E eu com o ar de enfado estudado para estas situações respondo que não pica nada e que aliás eu sou pescador de grades É pá pode lá ser!!!! “Bocê” deve ser um “granda” pescador, estive aqui a vê-lo empatilhar o “inzol” e até disse aqui à “Micas” ( Micas era a fêmea Alfa): Óh Micas, ora aqui está um pescador a sério!!!! Nunca tinha visto empatilhar assim um “inzol” ensina-me? Claro respondi…. E passei o resto da tarde a industriá-lo nos volteios da linha. Isto enquanto a costumeira “grade” ia tomando forma…
A “morconzada” prosseguiu no seu deambular deslumbrado pelas belezas naturais do sítio, e eu aproveitei para levantar a cana e recolher a linha, não sem que me ficasse lá tudo…. Anzol, chumbada e uns metros de linha…. O trivial na vida de um aselha…. Um “pescador d’água pé”……
Se por acaso fisgasse qualquer coisinha lá ia eu para a tasca da Vila Maria misturar-me com os restantes Pescadores, como eu achava que era, e até o mestre Zé dizia que me tinha visto a tirar um “badejinho”. Isso merecia mais uma ginginha….
Nos primeiros tempos desta actividade é que havia de ser um quadro lindo. Além da referida indumentária sebenta e do odor pícaro a “pexum”, por causa do isco, que não do pescado, deve-se acrescentar uns botifarros medonhos da tropa, mas que me protegiam os tornozelos das irregularidades das rochas. Que era a “vegetação” que mais proliferava na zona…
Lá ares dava eu. Tal como empatilhava anzóis com grande desenvoltura. O pior era o resto!
Quando o meu filho tinha p’raí uns doze anos ofereci-lhe uma cana, carreto e o mais indispensável à pescaria. Como paga o gajo deu-me um bigode que até me envergonhou. Então não é que o malandreco me tira dois Sargos cada um a vencer-me aí três quartos do antebraço esquerdo, bem medidos…. Sacaninha….. E mais ...Com um gozo do caraças comeu-os ao Jantar com requintes de malvadez…..
Isto foi a “gota d’água”….. Lá ficaram as canas à “patine” da arrecadação da casa de Peniche. Talvez que um dia venha a esquecer esta afronta e a saúde me permita voltar às grades, o aspecto é que terá que ser o dos pescadores de Domingo, porque a roupa foi queimada pela D. Maria, e as botas da tropa já não existem. Restam-me portanto os meus jeitos e instintos o que equivale por dizer que por tão pouco não vale a pena tornar às vergonhosas excursões piscatórias….
Estimados leitores…. Haja Braço que peixe não há-de faltar…..


                 António Capucha
Vila Franca de Xira, Novembro de 2010

1 comentário:

Anónimo disse...

aaaahaaha 12 anos? Deves estar a brincar?! Homem, o mano tinha para aí 7 ou 8... era ainda mais pequenino! Eu, a mãe e o meu querido e saudoso Tio Pedro, fartámos-nos de gozar contigo....sendo assim, a vergonha ainda é maior...o mano pescou à grande naquele pesqueiro que tinha uma varanda e uma gruta enorme! Aliás, gruta essa que ainda me lembro, tendo eu uns míseros 4 ou 5 anos, de explorarmos à luz de isqueiros, com a mãe, a Lurdes e os dois Assis e por fim, o Didi...

a propósito destas coisas, lembro-me como se fosse hoje:
"o caboz e o serrãããão, foram os dois passeaaaaar! O Caboz pôs-se a pescar e o serrão (ou serralhão??? aqui é que eu me engano) caiu ao mar!"
:)