Endereço do blogue........peroracao.blogspot.com

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Mohanima



Mohanima, peço desculpa se não for assim que se escreve. Era, espero que ainda o seja, um negro guinéu cujo nome indicia ser de uma das etnias muçulmanas, e que estava para ficar no RI 5   das Caldas da Rainha. O bom do homem era assim para os trinta aninhos bem puxados, mas como não tinha família nem casa para onde ir, foi ficando no quartel com a tolerância do Comando. A sua figura desencadeava de imediato  simpatia e a vontade de lhe fazer bem. Invulgarmente pequeno mas proporcionado, negro retinto de musculatura impressionante e com uns pés de um tamanho que lhe dariam para dormir em pé… Claro que havia uma contrapartida para a generosidade do Comando. Estava encarregado das piores tarefas, a que os outros soldados fugiam como o diabo da cruz. Mohanima, tratava das pocilgas da unidade…. Onde chafurdavam uns bácoros e bácoras de criação, para os Sr.es comandantes, messe de oficiais e assim…. O comum dos mortais bem podia esperar sentado que nem o cheiro de febras destes animais lhe iriam passar debaixo dos narizes….. Uma unidade modelo até neste particular. Os privilégios a quem são devidos e “mai nada”…. O resto era disciplina…. Na justa medida da protecção e garantia destas premissas…. (os privilégios)
E isto é infelizmente verdade, e transversal a toda a tropa por onde andei. E andei por muito lado. Havemos de voltar a isto noutra altura…..
Agora é o Mohanima….. Pois este Pim-Pam-Pum, levava as suas tarefas muito a sério como se disso dependesse a própria vida, e até certo ponto assim era. E falava num português meio atravessado. Por exemplo, não dizia furriel…. Dizia “Esfurier", a que acrescentava invariavelmente o monossílabo : Pá. Aliás um estrangeiro, qualquer que seja, que aprenda a nossa língua de ouvido, a primeira coisa que aprende é a meter o: pá, coisa que quer dizer um milhão de coisas e serve de muleta a tudo e a nada.
Um belo dia o nosso Mohanima, diz-me: É pá, esfurier pá, Queres ir a ver? Os porca estás a "parire" pá. E lá fui para as “catacumbas” do Mohanima, onde de facto uma enorme Marrã se espremia convulsivamente, e expulsava a tempos um bacorito, ora rosado ora preto ou malhado envolvidos num véu individual, eram muitos…. Durante uma boa hora estive fascinado a ver aquela coisa notável do começo de uma vida. O Mohanima afadigava-se a limpar os bacoritos a levá-los para junto das tetas, e fazia sempre um festinha na enorme cabeçorra da porca sempre que passava por ela. Perguntei: é pá? Então se não há nenhum porco preto, como é que a porca tem bácoros pretos e malhados? E adiantei manhoso:  Mohanima… O que é que tens andado a fazer com a porca????…..
"Esfurier" pá…. Não "berinca" pá!!!! Não "berinca"!!!!
Mal Disparara isto, e já estava arrependido de o ter feito. Vi o amor e dedicação do pobre homem para com os bichanos e aquilo pareceu-me um hino ao amor total… Universal …. E de imediato realizei a espécie de boçalidade que a tropa, ou seja o treino militar, nos dá no acto em que nos rouba a identidade, sensibilidade, e tudo o que nos faça sentir expostos à realidade e a pensar pela nossa cabeça - anátema destas coisas da tropa… E substitui tudo isso por os sacramentais IN, NT e os superiores…. (IN - inimigo e NT - nossas tropas, superiores, vá lá saber-se em quê.). Tudo contra os IN, sem pensar, automaticamente… E repor a mordaça para as NT….  Dizem que reforça o espírito de equipa e a solidariedade em combate…. Não sei… Nunca entrei em combate…. Mas eles também não. Na sua grande maioria os comandantes, são muito bons é a mandar os outros combater. Como é que sabem então que assim é que é…. Assim é que se reforça a disciplina… São aliás tão bons a mandar combater como a manter os privilégios próprios. Também hei-de voltar a isto….. Por enquanto folguem….
Aquele quadro de natividade, portas a dentro do quartel, desencadeou-me um sem número de sentimentos, que o resto do dia já não foi o mesmo.
Fui dali à messe de Sargentos fazer o contra-senso de comer uma sandes de presunto, como já disse noutra ocasião: as melhores de unidade… E com o estômago mais aconchegado e aquecido pelo cafezinho no final, fui para o campo de jogos encostar-me a um pinheiro e meditar nestas últimas e poderosas revelações. Decidi primeiro, que nunca haveria de esquecer estes acontecimentos, e não esqueci. E segundo, logo ali promovi o Mohanima, de tratador dos porcos a: PARTEIRO DE BACORITOS…..


                       António Capucha
     Vila Franca de Xira, Novembro de 2010




Sem comentários: