Uma caixa de cartão canelado, de um frigorífico servia-lhe de cama, quarto e tecto. Puxou a "labita" de modo a cobrir-lhe o pescoço e com a manta velha mal cheirosa cobriu o nariz que gelava. Estava uma friagem e tanto. Os pés embrulhados em jornrais, não gemiam de frio.... Mas o corpo sim e estava fatigado. Apeteceu-lhe um cigarro, melhor uma beata, remecheu nos bolsos e descobriu-a, com ambas as mãos esfregou um "forfo" na lixa da caixa e este acendeu-se, levou-o até à beata e chupou ávido o fumo resultante, era beata para umas quantas passas. O pouco conforto resultante disso levou-o ao pensamento que acalentara durante todo o dia e reviu mentalmente os passos do plano.... Aquele presunto pendurado na botica do mercado havia de ser seu.... Era simples, entrava pela porta que dá para o interior do mercado, sem que alguém desse conta dava uma joelhada no pote das azeitonas, e depois aproveitando a confusão gerado deitava as unhas ao presunto e "basava" a correr pela porta que dá para a rua, uma vez na rua ninguém o apanhava, pois corria como um galgo... A ideia aqueceu-o por breves instantes e um fio de saliva escorreu-lhe pelo canto da boca, enquanto um ronco e um moínha lhe atromentava o estômago. E pensou: tenho de dormir, amanhã dou o golpe e preciso de estar fresco e ágil... O "Camolas" assim chamado porque as "gâmbias" pareciam ter molas quando corria, fez de novo o exercício mental do plano infalível para "palmar" o presunto. que havia de dar para uns dias de barriga cheia. Num ápice, e sem saber como, veio-lhe á ideia os tempos de meninice, os beijos a saber a azedo do velhote e os carinhos da opulenta mãe, de colo largo e quente, macio e seguro, de beijos límpidos e babados.... E lentamente, partiu nas asas de Morfeu, e o seu último pensamento foi: Amanhã dou a "palmada" no presunto do gordo....
António Capucha
Vila Franca de Xira, 24 de Julho de 2013
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