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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O sacristinha

Missa Sagrada
Clementina, perdão a Srª. D. Clementina, tinha o hábito de pigarrear alto e bom som, não para aclarar a voz, que a tinha bem tonitruante, mas por alegado tique, o que constituía assim como que uma inconveniência, na Igreja Paroquial desta simpática vila, no extremo Sul do Ribatejo, porque alegadamente perturbava a liturgia…
Quando a D. Clementina desobstruia a goela entre o, In omne tempus e o ite missa est, isso implicava de imediato, o virar de cabeça do padre que a olhava por cimo dos óculos e com tal desaprovação evidenciada, que a visada punha de imediato a mão na boca e recolhia-se em quase expiação. Os, melhor, as fieis paroquianas permitiam que se lhes aflorasse às faces uma expressão de enfado o que aumentava a culpa da D. Clementina, pois que, nem entre as suas pares, encontrava solidariedade e compreensão. Apenas os Santinhos nos seus altares, ficavam impassíveis, mudos e quedos face ao dislate… O que nem lhe passava pela cabeça, era afrontar a autoridade eclesiástica do Padre. A estas discrepâncias correspondia  o cantar mais alto e o esbracejar mais vincado do “Manél” sacristão para tentar abafar a altercação e inopinado acontecimento . O Sacristão principal, único autorizado a tocar o sino e dirigir o coro das paroquianas e encher as galhetas de vinho de missa. Passava negra vida por mor de cuidar de que tudo decorresse com normalidade…
Ora estas peripécias e subtis variáveis à liturgia do dia, aliás, de cada dia, não passavam despercebidas ao sacristão improvisado, ajudante à missa das oito de todos os dias. O malandreco à socapa, ria deste ritual paralelo ao ritual predominante da celebração, que vinha escarrapachado no calhamaço das missas do padre, e dos esforços frustrados do 1º sacristão para os minimizar.
À mística, apesar de tudo, da D. Clementina, chegou mesmo a ser recusada a sagrada comunhão, à falta de melhor razão, exactamente por ter amiúde, cometido o pecado da imodéstia de usar tais guturais sons, unicamente para se evidenciar… 
Ora, ao sacristão improvisado, estas coisas pareciam-lhe despropositadas, mas acabava por aceitar e até entrar no aplauso unânime, porque a D. clementina o fuzilava com os olhos injectados de sangue quando o via rir á socapa das suas cenas e dos ralhetes subsequentes.
E não sabia ela, que o rapazola bebia às escondidas o sagrado vinho de missa na sacristia. Não sabia ela nem ninguém…  Senão não seria com o olhar que o fusilava….
Mas isso era coisa a que não resistia… O vinho era diferente de todos os que conhecia e que lhe causavam asco de tão ásperos que eram…. Mas aquele não! Era agradável, doce  e inebriante…
Tudo corria bem ao ajudante do sagrado oficio, não fosse a sua mãe teimar em lhe vestir calções, que lhe deixavam os joelhos nus sobre a escadaria de mármore negro do Altar Mor,  sempre que os salamaleques, cujos nunca entendeu, determinavam que se ajoelhasse. Era isso e aquela coisa de passar do lado direito para o lado esquerdo do Altar, algumas acompanhadas de badalados da campainha que lhe faziam uma confusão do caraças. O Sr. Padre ajudava-o maneando a cabeça para um lado ou para o outro, ou fazendo com a mesma que sim, para a “campaínhadela”. Isto não parecia nada bem era ao Sr. “Manel” porque era do seu âmbito e devia ser ele a conduzir a  inepta criatura.
O que convém aqui esclarecer é que o mariola, vigiava o vinho que era deixado na galheta e quando terminava o Santo Sacrifício da Missa, recolhia os elementos da Santa cena entre eles as galhetas do vinho e da água, e a caminho da sacristia em gestos mais que estudados e experimentados, emborcava o néctar restante. O “Manel”sacristão, fiel depositário do garrafão do precioso líquido, é que devia dizer de si para si: Alguma se passa… O Sr. Prior ultimamente bebe o vinho todo. Mas claro que experimentado acólito que era, sabia que isso não eram contas do seu rosário… Daí não rezar dos anais da Paróquia de Vila Franca de Xira, o misterioso desaparecimento da vinhaça de estalo para as missas. Faça-se pois luz, sobre o assunto. E se restar neste Mundo dos vivos alguém a quem este mistério traga intrigado, Fica a saber o como, ficando nas covas como convém, (não há aqui lugar a denunciantes e bufos) o quem!!!!
Áh é verdade, soube-se  muito tempo depois destes acontecimentos, que a D. Clementina, terá morrido com idade para tal, e com um cancro na garganta…
O pequeno sacritão, pede humildes desculpas por ter rido das cenas originadas pelos sonoros aclaros de voz da senhora…
O sabor do vinho de missa é que não lhe sai da cabeça!!!!!


                        António Capucha
     Vila Franca de Xira, Outubro de 2010

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