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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Dá-me lume, por favor?




Queira Deus que eu não adoeça….
Ouvimo-nos dizer vezes sem conta, o mais das vezes sem convicção de que tal desígnio repouse nas mãos de Deus. Não se trata sequer de uma manifestação primária de religiosidade. Se bem que a atitude contrária, também não seja o ateísmo. É como dizer: Adeus! É apenas uma das constatações da origem cristã, da nossa cultura.
Era assim, dizendo mentalmente de si para si: “Queira Deus que eu não adoeça…”. Que imersa em seus pensamentos a Teresa entrou no café, Para um momento de sossego entre o trabalho e casa. Para além de fugir do frio, estar ali, sentada confortavelmente e também confortada pela recente sensação de ter um Emprego, era visivelmente um enorme prazer. Que tanto trabalho me deu a arranjar. Pudera com as coisas como estão!!! Se entro de Baixa eles fazem-me a folha…. Não posso adoecer!
Ficou logo na mesa junto à entrada e através da porta envidraçada via os transeuntes dobrados sobre si mesmos para melhor reterem o pouco calor que os agasalhos geravam, coitados, pensava. Esta visão aumentava a sensação de conforto que sentia. 
Óh Sr. António…. Uma bica se faz favor…. Pediu na sua voz jovem e clara. Tanto que eu penei… Mas agora tenho um Emprego….
Calma…. Encara isso com naturalidade…. Mas era impossível suster aquele fogo, aquela onda de entusiasmo…. As pazes feitas com o Mundo…. Apetecia-lhe meter conversa com toda a gente….. E de novo: Calma…. Calma mocinha, disse-se. Tens que descer à Terra…. Não é nada de mais….. Tenho formação superior tenho um excelente currículo, eles precisavam de mim, quanto muito, tanto quanto eu precisava deles. Nada de extraordinário!
Mas era impossível suster Este “coqueteile” de sentimentos. Era inebriante com um bom copo na discoteca.
E até na prática era não só um grupo de sentimentos novos, como até era o acesso a uma nova realidade, a uma vida diferente, para melhor claro….
Podia perfeitamente por exemplo, pedir uma tosta mista ou um prego, o que lhe desse na gana, já não tinha que contar os tostões…..
Em sequência disto pega no telemóvel e liga para casa…. Sim… Mãe, sou eu! Estou aqui no café e vou comer aqui qualquer coisa. O meu rapagão, está bem? Põe-lhe o telefone no ouvido, pediu…. Oláááá….. É a mamã…. Tem tantas saudadinhas do seu quiduxo…. E vai por aí fora numa terminologia irrepetível, como se fosse um pacote de bom-bons ou um frasco de rebuçados…. Indizível, para quem não é mãe….
Óh mãe, então não contes comigo para jantar. ‘Tá, eu amanhã aqueço-o e é o meu jantar. Desliga o té-lé-lé com um sorriso…. Já não tenho que andar sempre a enviar SMS’s . E ouvi o meu menino…..
Óh Sr. António. Traga-me uma tosta mista e um sumo qualquer, pode ser de pêssego!
Cruzou a perna, puxou de um cigarro e pediu lume ao vizinho do lado, Obrigada sim…. Óh Sr. António traga-me também um isqueiro se faz favor…. Só temos daqueles de marca…. Pode ser, responde. E pensa: posso muito bem oferecer um isqueiro de marca a mim própria…
A tosta com o queijo bem fundido, como ela gostava, fumegava na sua frente. Tirou uma das metades e mordeu-a… Que boa que estava! Vazou um pouco do sumo no copo e beberricou um pouco, saboreando cada pedaço, e cada momento.
Depois esperava que aparecesse alguma amiga, dava “duas de conversa”, pagava e ia para casa encher o rechoncha de beijos. E em paga levava as lambedelas do Nelsinho. Mas, do seu menino é tudo santo….
E este pensamento foi a acha que faltava na fogueira para se “grisar” toda. Acabou a refeição, puxou de outro cigarro da mala, reparou no isqueiro novo e com um sorriso voltando-se para o vizinho do lado pediu:
O senhor dá-me lume, por favor???


                      António Capucha

    Vila Franca de Xira, Dezembro de 2010

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