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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Torre e Espada Versus Cachipende

Ordem da Torre e Espada

Das minhas memórias da tropa, fazem parte situações, abundantes situações.... E se umas são de uma gaguez notável, outras houve que me marcaram profundamente. É o desfilar de um pelotão de mariolas e pessoas excepcionais, que de uma maneira ou outra se destacaram da média e nem sempre pela mesma razão. Nem sempre eram “cromos”. Hoje gostaria de vos dar conta de, não um, mas dois destes, destacando-se um por fazer renascer em mim a fé nos homens, e o outro, acentuou o meu desprezo pelos “Chicos Espertos”.
Passa-se tudo num quartel que não hesito em classificar como a tropa mais fandanga que é possível imaginar. Era um quartel em pleno largo da Graça em Lisboa, que era conhecido como Depósito de Indisponíveis. E o que era isso? Era um sitio onde ficavam evacuados, feridos e doentes que pudessem estar em regime de consulta externa e assim desimpedir o Hospital Militar por forma a que este, não entrasse em rotura. Se aquilo não era o ninho de cucos, não sei o que o possa ser!
Houve casos que desencadearam o meu empenhado sentido de humanidade e outros em que me deixei ir na pândega colectiva que era aquela coisa… E outros em que alimentava o mais profundo desprezo pela instituição que tais coisas permitia.
Foi lá que conheci o primeiro exemplo que vos quero levar ao conhecimento.
Ambos na casa de banho manhã cedo, a fazer a barba, eu para entrar de serviço e ele para ir ao Terreiro do paço. Era dia 10 de Junho. De 1973. Eu na minha pequenez escorreita e ele, enorme, um matulão com uma prótese numa perna e a outra, que não dobrava, cheia de cicatrizes, um olho ausente e vendado, enfim, parecia ter saído de uma picadora de carne. E ao passo que escanhoava, ía dizendo entre dentes coisas indecifráveis. E eu pergunto-lhe: desculpe … Disse alguma coisa? E ele riposta: HÂÂ… Estes gajos…. Tenho que ir lá abaixo buscar uma carica…. E continuou a sua lenga-lenga. Eu fui à minha vida ele Há-de ter ido à dele. No dia seguinte vejo no jornal a cena: ele perfilado a receber a “Torre Espada”, nas celebrações que há época o Camões dividia com o dia de Portugal e da raça.(hoje divide com Portugal e as Comunidades) Era então um Capitão dos Comandos e imagino o que terá feito para merecer a “Torre “Espada”. Ouvi dizer que para proteger os seus homens se terá atirado para cima de uma granada de mão. Mito ou verdade sei lá…. Pelo menos sei serem  possíveis actos destes, raros, mas que os houve …. Houve.    
Em oposição a isto coabitava um “jabardolas”, um ser abjecto e desprezível de um 1º Sargento que todos os dias fazia comício a dizer mal destes Cabrões todos. Obrigaram-no a voltar de Angola e fecharam-lhe uma fabriqueta de “Cachipende” (Uma espécie de aguardente feita a partir de açúcar e água) que ele lá tinha…. Ele até só a vendia aos pretos!!!
A tal fabriqueta consistia num telheiro de chapa ondulada debaixo das quais uns bidons de gasolina da tropa, cheios de água e açúcar a fermentar, espalhavam um cheiro nauseabundo. Claro que a destilação, mal controlada, dava uma bebida com mais metano do que devia e daí resultaram muitos problemas sérios de saúde e umas quantas mortes por intoxicação. E o gajo a encher-se alarvemente. E vejam lá a grande injustiça, fecharam-lhe aquilo pá!!!! Por causa de uns pretos!!!! Eles são tantos!!!! É tudo uma cambada!!! Pois será…. Ele é que se achava um menino do coro, um cordeirinho do bom Deus….. Filho da puta!
Acreditem, de cada vez que me lembro deste alarve, sinto náuseas. Mas então lembro o outro estropiado Capitão e restabeleço a confiança na espécie….
Áh….. isto vai …..   


                               António Capucha
            
            Vila Franca de Xira, Dezembro de 2010

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