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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Natal

Exemplo de Presépio




Para que conste, tenho memórias ainda bem vivas do Natal tradicional de inevitáveis contornos religiosos, mas que não deixa de conter alguns resquícios das festividades pagãs dos nossos ancestrais….
Estou portanto em posição de opinar acerca das diferenças e aquilatar da qualidade humana e social de um,  e compará-lo com este outro Natal, que nos tem vindo a ser habilmente imposto: O Natal da Coca  Cola /Nórdico/Cristão….
E há diferenças em relação a quase tudo, a começar logo no calendário.
O lado Cristão desta festa começava na véspera do dia 25 de Dezembro, data em que alegadamente Jesus menino terá nascido. A sua expressão máxima é a Missa do Galo à meia noite de 24 para 25, que tem uma liturgia específica alusiva à circunstancia da natividade e toda aquela colateralidade da família (sagrada família), mais os pormenores fantásticos que têm a ver sobretudo com a maternidade virgem, dogma de pureza portanto de santidade. Para tal as peripécias são deveras mais do domínio do fantástico, de permeio com alguma veracidade histórica….
Este Natal religioso conviveu desde os tempos antigos até há bem pouco tempo, com as festas pagãs do solstício de Inverno, bem menos erudito e romanceado que este. Como todas, ou quase todas, as manifestações sóciais anteriores à cristandade, tinham a ver com as preocupações dominantes dos humanos, cujos, na ausência de outros valores culturais mais avançados, que tinham a ver com a sobrevivência das pessoas. Assim os rituais destas “proto-religiôes” celebravam a fecundidade e a abundância de alimentação. Sendo que por fecundidade se entendia a das fêmeas tanto humanas, como dos animais domésticos de que dependiam em boa medida, e a da terra fecunda, à qual se deitavam as sementes. Esta celebração do solstício de Inverno ao contrário da do Verão mais exuberante, era celebrada no recato aconchegado das habitações, o que favorecia o espírito de família, ainda incipiente, o espírito de grupo, ou consciência tribal…. A sua expressão era a partilha espontânea da comida e dos prazeres comuns mais diversos, por assim dizer….. Estes aspectos foram evoluindo naturalmente até hoje perdendo a parte mais animalesca da coisa e acentuando os aspectos rituais de integração e de família, esta já interpenetrada pela doutrina e moral cristãs, como é exemplificado na simbologia do presépio…. Mantém-se no entanto o aspecto da partilha dos alimentos, que são vitualhas de estalo. Toda a gente aprimora o receituário gastronómico.
Actores destas coisas são os diversos fritos, filhós à cabeça, mas há dezenas de coisas de fazer babar o menos lambão. Cuscurões, fritos de abóbora, rabanadas, fatias de parida, azevias, o incontornável pão, enchidos e queijos…. Sei lá que mais…. E o protagonista é o vinho novo, cujo há-de escorrer como um rio pelas goelas de todos. Claro que o prato de substância variava de região para região e até, de terra para terra, consoante os seus hábitos e haveres. O que por exemplo faz espécie, é que o prato de base em Trás-os-Montes seja o polvo cozido.... E esta hein!!!

Filhós

Manda a tradição que as famílias se visitem e ofereçam, uns aos outros, o que de melhor têm. Da fusão com o Natal da S. Madre, resulta, para além da já referida Missa do Galo, que o Padre lidera esta procissão entre as casas dos paroquianos, onde, para além de tentar manter-se de pé e sem oscilar demasiado, vai distribuindo bênçãos e elogios aos preparos alimentícios… Claro que o Padre não vai só nesta excursão degustativa. É precedido de gaiatos a tocar sinetas, mais o sacristão e o grupo vai engrossando à medida que o vinho escorre. Chegam a estar mais de trinta pessoas numa casa, uma intensa actividade comunitária…. O que vale aos anfitriões é que todos trazem oferendas…. Eu muito miúdo ainda participei nestas excursões que ainda subsistiam nas Aldeias do interior. Nestas regiões o dia de Reis, a 6 de Janeiro, é o dia de se trocarem prendas. A igreja atenta ao fenómeno inventou a prenda no sapatinho do Menino Jesus…. E cantam-se as Janeiras, músicas populares cantadas em grupo de casa em casa. Fortemente interpenetradas de moral e doutrina cristã, tanto quanto de vinho para aclarar a voz, mas à quais (às quadras das Janeiras) nunca faltava uma certa brejeirice…

"Arvem" de Natal


Pai natal- Papai noel- Santa Clauss etc...



Nas regiões mais “desenvolvidas”, já tinha desaparecido, substituído pelo tal Natal (não confundir com o tal Canal) da Coca Cola e do Pai Natal. Continua a ser a família o valor base da coisa, mas não há misturas com os vizinhos. A comunidade aqui começa no pai e acaba no filho mais novo…
Esmiuçando a coisa e falando bem e depressa este natal manda isto tudo às urtigas e promove o individualismo e o consumismo a níveis absolutamente doentios. Os presentes que se dão em dia de reis, nesta versão vesga, começam logo em finais de Outubro, e terminam quando o pessoal já está completamente teso e com os “plafons” de crédito esgotados. Fruta da época!!!!
Então, e isso também cabe na natureza humana, inventaram-se coisas apenas por estratégia comercial. Ou imitaram-se outras dos “Amaricanos” e Nórdicos europeus…. Lado a lado olham-se de soslaio o pequeno presépio e a imponente e vistosa árvore de Natal. (a mais das vezes, apenas PIMBA…) Ao passo que mastigamos a ave mais endémica da região, que como se sabe: é o peru, e viramos o bolo Rei e as lampreias, os troncos e outras patacoadas de super-mercado….. Além do tradissionalíssimo peru assado no forno, as prendas deixaram de ser trocadas entre todos, ou ainda que fantástico, metidas pelo menino Jesus no sapatinho, são trazidas agora pelo Pai Natal, que desce pela chaminé. Uma personagem supostamente nórdica da Lapónia, num trenó puxado por renas, que até têm nome e tudo…. Mas, o diabo é que gato escondido……. Pois é….. Este velhote de ar saudável e simpático foi criado pela Coca Cola…. E a Coca Cola tê-lo-há decalcado de uma outra personagem que foi um arregimentador (o antecessor do Tio Sam) de mancebos para a tropa na altura em que os “Amaricanos”  estavam em guerra, cuja fisionomia era a mesma. Os mesmos óculinhos, o mesmo sorriso, o mesmíssimo ventre inchado, e o cabelo e barba branca crescidas. Resta acrescentar que era o maior dos angariadores de rapazes para a tropa e era extremamente popular. Daí a Coca Cola ter ido buscar a sua imagem para a operação de Markting de meados do século passado. Claro que vender refrigerantes é igual a vender seja lá o que for, logo aquela figura transitou para Pai Natal, e em função disso criou-se uma verdadeira cultura…. Claro, de consumismo….
As janeiras foram também substituídas pela estridência dos sininhos do trenó e uns estúpidos corais e vozes tipo Bob Hope, a dizerem bacoradas na sua língua de trapos.
Este Natal é tão poderoso que até foi inventado um subsídio pecuniário, dito de décimo terceiro mês, ou subsídio de Natal, para podermos dar combustível a esta enorme fornalha que é o Natal moderno e cosmopolita…. Este dito subsídio, é assim e portanto, uma espécie de toma lá , dá cá!  
O mais espantoso de tudo é que nesta altura do Natal, somos sempre tocados por uma espécie de calor suplementar. De ternura e humanidade……
Vá lá saber-se porquê!
Ficam aqui ditas estas verdades. Cada um que diga de sua justiça.


                         António Capucha

     Vila Franca de Xira, Dezembro de 2010

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