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Parto |
Num dia qualquer de um sombrio Outubro por volta das três da manhã, lá fora chovia que Deus a dava. E raios e coriscos fendiam o céu que se sabia estar por trás das grossas nuvens…. Uma “noite de cão”!!!!
Meio-deitada na enxerga uma mulher espremia-se toda para expulsar um bebé que faz nove meses trazia no ventre. A mulher tinha um ar bojudo de parideira veterana, mas a coisa não estava fácil…. Aliás, a coisa nunca é fácil….
Junto dela a D. Júlia, parteira que já amparara mais de duzentas crianças na sua luta desigual para virem ao Mundo. Na sua voz autorizada disse… Melhor, comandava: Vá querida … É só mais um bocadinho….. Agora, força…. E a voz acompanhava o esforço que pedia à parturiente….
Aquela espécie de inteligência cósmica a que chamamos instinto, força-nos a desencadear o nascimento e a abandonar a modorra do útero materno, quente e acolhedor, desconhecendo o desconforto ou a fome, para nos lançarmos num aperto hercúleo da “mater-vagina”, para o choque térmico do exterior…. Um arrepio percorre-nos a espinha ainda frágil. E sentimos algo desolador, violento, a queimar-nos os incipientes pulmões. Uma golfada de ar e um choro de morte. E aquele tan-tan… tan-tan….tan-tan, onde está? O que é isto? Estão-me a agarrar…. Que coisa dura é esta que me passam pelo lombo? Só lhe apetece gritar…. E grita! Grita como se o estivessem a matar.
A “prática” pega-lhe e coloca-o sobre o peito da mãe e ele sossega….. Áh…. Cá está o ”tan-tan” outra vez…. Estava a ver?!?! Ai que bom….
Não….. Não me tirem daqui!!! A mãe virou-o ligeiramente e tenta que ele mame. Mete-lhe o bico da teta na boca e aguarda que o tal instinto o faça chupar o colostro… O pobre besnico faz pela vida, confere a mãe, não sem algum alívio….. É todo normalinho….. Benza-o Deus!!!! Amanhã vigiar-lhe-á as fraldas a ver se as digestões são normais.
Adormeceu e a mãe vigia-lhe a respiração, e por fim ela própria cede à fadiga e fecha os olhos…. A D. Júlia, corre com todos do quarto e sai apagando a luz do tecto. Fica acesa apenas uma lâmpada de mesa-de-cabeceira, sobre cujo “abat-jour” repousa uma fralda branca que adoça ainda mais a luz do candeeiro. A esgotada senhora entreabre os olhos e sem se mexer contempla o menino… Ainda não sei a cor dos seus olhos, sussurra. Volta a vencer a estafa do Parto e adormece por fim e desta vez até de manhã.
Gloriosa manhã após a borrasca do dia anterior. O Sol invade o quarto, a mãe acorda e breves minutos depois o bebé vai tentando abrir os olhos feridos pela luminosidade circundante. Por fim, fica com eles abertos e aparentemente habituado à luz, contemplam-se mutuamente como que hipnotizados, dura uma eternidade esta co-identificação, ele fecha os olhos e boceja, posto o que lhe devolve o olhar, como quem diz: então és tu que eu conheço de te ouvir em ondas de ressonância amniótica…. E ela infere ser ele o carrasco que lhe fincava os pés nas costelas e empurrava…. Já tal não lhe parece, ali tão sereno, tão lindo o seu menino é o terceiro e tão parecido com os outros: O mesmo cabelo farto (dizem que provoca vómitos à mãe…. Âhhh… crendices!) e preto, a mesma pele morena, os olhos é que, e olha com mais atenção, é que são diferentes …. São assim de um verde escuro, verde garrafa…. De pupilas enormes e a reagirem bem às variações de intensidade luminosa. E o mais extraordinário de tudo isto são as coisas que ela lhe diz. Como este prodígio criativo de mãe: - Só me apetece comer-te com beijos….. Lindo!!! E outras…. Sabem do que é que eu estou a falar, não sabem?
Também gostava de saber dizer assim coisas desta força, mas o que é que querem!!!! Cá vou alinhavando estas patacoadas e é um pau....
António Capucha
Vila Franca de Xira, Dezembro de 2010
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