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sábado, 18 de dezembro de 2010

Estórias da Graça: umas com, outras sem…

Igreja e ex  Convento de Nossa Srª da Graça

Aposto que nenhum de vós, caras e caros leitores e amigos, gente fina e culta que sois, sabeis falar em língua Mexicanista!!! Haverá um ou dois que arranha o Amaricano ou o Inglesito, Mas nunca ambas. Que se pode dizer então de uma personagem, um malabarista linguista, que domina as três, e disso fez prova em devido tempo.
Passou-se isto, que abismado vivi, no mesmo local da “tropa fandanga” de que anteriormente vos falei. O famoso Depósito de Indisponiveis… Cada vez que estava de serviço, era como se tivesse a biblioteca de Alexandria, escancarada e inteiramente à minha disposição. Ora como anteriormente já referi, a maioria do tropa era constituída por evacuados da zona de guerra, os “caras sarapintadas” com milhentos pontos escuros, efeito provavelmente do TNT das minas e outros mimos. Isto porque não era só o rosto marcado, eram também as outras mazelas… Alguns deles tinham capacidade para fazer serviços por escala. Nomeadamente Oficiais de dia. Indivíduos comuns alguns, outros completamente “cacimbados”e com baixa à “neuro psiquiatria”. No entanto julgados como bons para serviços de escala.  
Num belo dia em que fiquei de serviço, o oficial de dia disse-me Óh Furriel, você é novo cá, não é?. Passados poucos minutos já não havia segredos acerca do percurso militar de ambos… Então e em jeito de despedida diz: É pá a malta aqui depois do “toque d'ordem” fecha o portão e é costume deixar sair os presos…. Bom…. Isto em Roma, sê romano….. E chegada a hora lá desci às catacumbas do antigo Convento da Graça, e, tocam-me dois “pontas esquerdas” de respeito. Ia à espera de encontrar meliantes do pior e dou de caras com dois pobres diabos com um ar sumido um e o outro com ar de vendedor de mulas… O vendedor de mulas coxeava porque tinha dado um tiro no próprio pé para escapar à tropa. E eu pensei : Que raio de cromo é que dá um tiro no próprio pé para não ir à tropa ?  Ó meu furriel. É que tenho dois filhos e a mulher não trabalha e eu tentei não é! Tinha assim uma voz de bagaço e uma tosse de bronquite perpétua….
O outro era uma personagem sumida como disse, de cabeça enfiada entre os ombros e era então esse, o tradutor de inglesito, amaricano e Mexicanista, foi breve a conversa e o tempo que levei a realizar e envergonhar-me da justiça militar do exercito do Império…. Que vergonha o tipo era tão infantil, tão bate mal, que nem terá entendido nunca, que foi condenado a dois anos de cadeia por se ter ausentado do serviço militar por dois anos, que andou a monte e fugido à PM.  Bom ele disse-me isto e outras coisas, várias Coisas, ora em “inglesito” ora em “mexicanista” e ficamos assim.
Disse-lhe das condições para os soltar e à hora a que os queria de volta e executamos os preceitos da unidade.
O dia não acabaria assim. É preciso dizer-se que naquela albergaria de doidos pernoitava mais uma “criatura de Deus”, que era uma cachopita aí dos seus dezassete dezoito anos, esguia e pequena, de sorriso gaiato e uns olhos azuis, aquáticos numa carita magra e tão suja como bonita.
Ora pareceu-me, e bem,  que era uma “habitué”, uma confrade para o jantar, que pagaria em géneros, digamos assim, o ficar com o estômago mais aconchegado, que dali levava pela manhã. Dormia normalmente na carpintaria e o mal amanhado do carpinteiro, estava tão apaixonado que suportava a verdadeira enxurrada venérea que do seu amor brotava. Coisas…. E como era de bom coração partilhava-a a troco de uns cigarritos, ou com quem lhe pagasse uma cerveja ou algo semelhante.
Ainda hoje estou para saber como, mas esta Deusa, conseguiu surripiar não sei onde a chave do meu quarto e já bem para lá da Meia-noite, quando meto a chave à porta para ir dormir na cama que tinha mandado fazer de lavado, acendo a luz e surpresa… A ninfa, esperguiçava-se e dizia ‘tás Fodi…. , agora tens que dormir comigo…. Olhei para ela e disse : Ai tenho???? Sem brusquidão, peguei-he no braço magro e sem a forçar demasiado levei-a para a prisão. Ela quando percebeu o destino que a esperava, tentou soltar-se, sentou-se no chão a espernear que não, que o gajo mais velho é maluco, é um tarado que nunca mais para….. E eu disse-lhe: Vá anda lá que eu depois dou-te uma prenda bonita. Parou de espernear e virou para mim os olhos, do mais doce que os pôde fazer. ‘Tá bem mas se me ouvires gritar. Vens cá buscar-me. Fica descansada, disse. Virei costas e fui dormir. Não dormi grande coisa, a conversa bem regada e “sobrefumada” com o Oficial de dia ainda me batia nas paredes do cérebro.
Era um Capitão de uma Companhia do mato na Guiné, e contou-me de como se fica “xarope”  de todo naquela merda…. Os gajos até nos chamavam pelos nomes. Todo o Santo dia era morteirada que até fervia. Não aguentei fui perdendo malta, que ao fim de várias semanas nisto, não aguentavam e saiam dos abrigos…. Passei-me um dia saltei também para a parada a gritar: Éh cabrões, ‘tou aqui, vá fodan… lá caralh….  E não levei uma saraivada de tiros porque eles não quiseram… Sei lá!!! Então o comando da região mandou-me evacuar e cá estou pá…. Bebeu mais um gole de uísque.  Ali na minha cama o pensamento levemente toldado pela bebida, saltava destas revelações extraordinárias, ao que chagam as pessoas sobre pressão….. Para a coitadinha da cachopa nas mãos daqueles dois esfomeados lanzudos…. Bem eu avisei aquele marado do Jorge ( o do tiro no pé) Se fazes mal à miúda ‘tás feito comigo….
Acordei bem cedo. Molhei a cara e saí  o meu primeiro pensamento foi ir à prisão. Também que raio de ideia que se me havia de meter na cabeça. Cheguei e verifico que aparentemente está tudo bem.  Abri-lhe a porta e ela saiu a correr para a rua que já eram horas. Falei com o Jorge . Então….. Porreiro Furriel…. E o mexicanista, pergunto. Não fez nada Furriel. A miúda foi deitar-se ao pé dele e ele punha-se a chorar. E encarquilhava-se todo. E eu pensei. Perigoso marginal prevaricador…. Só preso….. Santo Deus…. E tu? Âh óh Furriel, “atão” “Pimba”!!!!
Quando sai de serviço fui à rua comprei umas “meias de vidro” e uma colónia.
E estudei um discurso para quando lhos entregasse. Mas desisti. Tê-la como coitada, era uma profissão de fé da minha superioridade em relação a ela, descabida, estúpida, desnecessária. Devia ser o que estava a fazer-lhe mais falta!!
Vou dar-lhe aquilo simplesmente sem mais ró-có-cós, é mais decente, que remédio tenho eu se não  aceitar que ela é aquilo que escolheu ser. Se me causa engulhos .... Problema meu,  ponto.

     

                       António Capucha

      Vila Franca de Xira, Dezembro de 2010



1 comentário:

Anónimo disse...

Boa noite

Realmente de quartel tinha pouco. Estive por lá de 1970 a 1972 como chefe da contabilidade. Também não gostei de muita coisa que por lá vi, mas ainda hoje recordo com muita saudade a grande camaradagem que ali encontrei, não em todos pois isso não é possível, mas não grande maioria. Faziam-se muitas asneiras, mas quem controla tanta gente numa idade de sangue quente e num ambiente que se sentia passageiro?

Para todos os que ali conheci um forte abraço.

Manuel CarneiroDias