O Francisco conseguiu "acordar" o disco duro onde estava esta, e outras obras. Tal como foi prometido publico hoje a minha primeira e única, até à data, incursão dramaturgica. Foi escrita a pedido de um amigo, o Carlos Fernandes, que aderiu ao teatro após a reforma. Nunca é tarde! corria o ano de dois mil e dez.
António Capucha
Vila Franca de Xira, 16 de Janeiro de 2013
Peça em Quatro actos
André – O Pinante
A mãe – Sr.ª Maria
O pai – Sr. Zé
Rosinha
Vários – cenas do cais
Alferes Mil. Almeida
Furriel Mil. Enfermeiro Fonseca – O
Tesouras
O Armstrong – o Corneteiro
Soldado Joaquim – O Metralha
Capitão Faria
Tenente Fonseca – O Chico
Vários Militares – Mensagens de Natal
Os mesmos em Parada
Soldado maçarico
Capitão Salgueiro Maia
1ºACTO
Cenário: Cozinha de casa de aldeia. Lareira
térrea, fogão de lenha, talha de água. Mesa sólida e rústica no centro.
Adereços vários que se coadunem com as características sócio-culturais da
ruralidade em finais dos anos sessenta do Século passado em Portugal.
Em cena está a mãe a
preparar o almoço. Sentado no topo da mesa oposto à posição da senhora, está o
pai que espera a refeição. Ela doméstica, ele pequeno proprietário rural. Ambos
na casa dos quarenta anos bem puxados…. Usam trajos de trabalho, porque é dia
de semana, uma Sexta-Feira que antecede os festejos da Rainha Santa Isabel,
padroeira da aldeia…
De fora de cena-
André – Mãe???… Ah ‘nha mãe…onde é que
está a minha gravata de camurça?
Mãe - Está
aí! Pendurada nas costas da cadeira para arejar.
Pouco depois ouvem-se
passadas francas e descida ágil de escadas de madeira. André Entra em cena nos
seguintes preparos: Colete, camisa branca bordada, calças da tropa, boina
militar no alto da cabeça, botas da tropa desapertadas e a gravata, de uma cor
bem contrastante: vermelha.
André – ‘Nha mãe?’ Tou ou não ‘tou bonito? (e roda
sobre si mesmo)
Mãe – Óh rapaz…(diz entre risos) “Antes descalço
que sem gravata”. Alvarenga! ‘Tás ‘tás,
tás bonito!!!! E os sapatos ‘atão, são do melhor….
Pai – (Rindo também) As
cachopas até vão cair de banda….
André – Meu Pai…. Vai
ver que vou passar a noite toda a bailar c’a Rosinha….
Mãe - Por falar em
Rosinha….Meu filho, se calhar é melhor não te chegares muito a ela. É que ouvi
cá ‘mas coisas?!?!?!
André – Áh ’nha mãe….
Que é que a senhora ouviu?
Mãe - Nada…. Nada….
Anda, vai mas é tirar essa roupinha antes que a sujes, e anda comer.
André – Nã… Nã… Agora
tem que dizer.
Mãe – Óh rapaz…. Não
foi nada, sossega….
André – ‘Nha mãe?!?! (empertigado)
Mãe – Ai, ai….. Por que
hás-de ser tu assim? Não tem importância nenhuma. São coisas que se dizem.
André- Mas o quê? Que é
que a senhora ouviu? O qu’é que se diz?
O pai faz um gesto de
assentimento para a mãe sem que o André dê conta
Mãe – (hesitante) É que
tenho medo por mor de ti.
Os irmãos da Rosinha
dizem que se fores ao baile e se te chegares muito a ela… Dão-te uma coça que
sais de padiola….E….
André – E QUÊ ‘NHA
MÃE?????
Mãe – Não é isso meu
filho…. Eu tenho é medo que dês para lá uma tareia em alguém!!!!!
André – ÀAAh BEM….. (dá uma volta à cozinha, todo pimpão)
Depois, insufla o
peito d’ar e sai por onde entrou… voltam a ouvir-se: subir de escadas e as passadas firmes.
Pai - Já cheira!
Acto contínuo, a mãe
pousa em cima da mesa a panela fumegante que tirara do fogão.
Mãe – ( gritando) ‘Tá na mesa….
Voltam as passadas.
André entra e senta-se à mesa, já em trajos do dia-à-dia. O pai corta o pão em
fatias…
Pai – ‘Atão a tropa
rapaz?
André – (com desdém)
Áhhhh aquilo é canja!
Vocemecê dizia que
aquilo era UHHHH, do pior. Mas afinal aquilo não é, é p´ra meninas…. Só a
comida é que… Não é aqui com’á da ‘nhã mãe n’a senhora…
Que saudades. Tá tão
bom o caldo…. E o Pão? (cheira-o)
E come avidamente, que
não alarvemente, mas com manifesta satisfação própria dum jovem que vende
saúde.
Pai – Maria… Passa-me
aí a broa. E bota um pouco mais de toucinho…
André – Pai, Como é que
vai A courela da Tapada Nova? Já dá para semear qualquer coisa?
Pai – Ainda não! Aquilo
é uma terra dum cabrão, dura como cornos!!!
A Maria interrompe-o! Benze-se.
Mãe – Abrenúncio Zé…. Que linguagem! À mesa não se
pragueja e à frente do rapaz e tudo…
André – Quais rapaz ‘nha
mãe??? Eu já sou um “home” À tropa só vão os homens!!!!
Pai – Pois e eu que o
diga, Fazes-me cá uma falta. Um braço-de-trabalho como tu e a Tapada Nova já
rendia….
Ouvem-se pancadas
fortes na porta da rua.
Pai - Deve ser o Zé
tremoço… Combinámos ir ver umas rezes.
André –(fazendo menção
de se levantar) Eu vou abrir.
Mãe - deixa-te estar,
acaba lá de comer.
Sai de cena, e ouve-se
de lá.
Mãe - Áh é voçemeçê,
sr. Adérito?
É o correio! (Diz para dentro).
O pai que entretanto
já se levantara, volta a sentar-se.
Entra a mãe com uma
carta na mão. Entrega-a ao André e diz com gestos equívocos… E o mal disfarçado
desconforto típico dos infelizes analfabetos, que à época, eram uma grossa
fatia da nossa população adulta….
Mãe – lê tu meu filho,
q’eu n’a vejo bem, e n’a tenho aqui os óculos….
André – É p’ra mim…. É
da tropa…
Com ansiedade mal
contida abre o sobrescrito, desdobra o papel e lê.
André – Hã…aã…ã….ã…,ã…..ã….ã…..,
notifica-se o 1º Cabo André Vaz Silvados - Sou eu – de que deve apresentar-se
no Regimento de Cavalaria 4 em Tancos, até ao dia 1 de Outubro, afim de formar
Batalhão…Tal….tal…tal…. Junta-se Guia de marcha e requisição de transporte…..e
por aí fora……... VOU P’RÀ GUERRA! Viva…. VOU P?RÀ GUERRA….
A mãe, como que
fulminada, cai de joelhos. O pai fica de pé hirto e de olhar fixo não se sabe
bem onde. O André rodopia e salta de contente.
André - Áh n’ha mãe…..não
se amofine senhora n’há mãe…. Eu vou lá, mato os “turras” todos e não tarda um
“fórfo”(um fósforo – popular) estou de
volta….Mãe fale…. Diga qualquer coisa!!!!
O pai sem abandonar o
ar distante, diz por seu turno.
Pai – Bom mulher… eles
na “tlefonia” Dizem que a nossa tropa esta a dar cabo deles. Que os pretos são
uns cobardes. Só atacam civis, agricultores brancos, tementes de Deus, como
nós…..
A mãe parece surda a
tudo. A sua expressão revela que algo parou no seu mundo. É como se lhe
tivessem esvaziado o cérebro. O pai prossegue após breve pausa…
Parece que se está a
auto-convencer.
Pai - “Ódespois” eles só têm catanas. Deus não
passou por ali… Aquilo são uns selvagens que querem roubar aquilo que é nosso…
André – Mãe… Há-de
passar-me a farda a ferro que é fardado que eu vou ao baile. Sempre quero ver a
cara dos palermas dos irmãos da Rosinha…… E ela, por força que vai ficar
caídinha por mim… Hei-de “bailhar” e “bailhar”, rodopiar tanto que levantamos
voo. Até a Santa vai juntar a voz ao povo e gritar: Aí “bailhador”!!!
E quando eu voltar
d’África vou casar com ela…. E é já que vou tratar disso. Se lá estiver o Sr.
Jacinto, é amanhã mesmo que lhe peço a mão da Rosa – Sr. Jacinto… dá-me a honra
de namorar a sua filha? (arremeda) E o que é que tu meu rapaz, tens para lhe
dar. Saiba que quando voltar da guerra, venho feito Sargento…. É como estar
aqui. (arremeda de novo)
Sr. Jacinto - Bom se é assim!....
Sr. Jacinto - Bom se é assim!....
O pai lá no fundo acha
que a telefonia mente, e o filho voa alto demais, mas mantém no entanto a
atitude para não estragar a felicidade radiante dele, que de certa forma lhe
agrada…. Moço valente!
A mãe, desde a
infausta notícia ficou prostrada, balbucia coisas como quem reza. E em
crescendo a sua expressão parece um balão prestes a estoirar. E estoira….
Mãe - (Agarrada ao vestido ao nível do
peito, que torce e contorce como se quisesse dilacerar-se) Trouxe-te dentro de mim,
rasgaste-me ao saires… amamentei-te, mimei-te… O meu menino… Agora
levam-te não sei p’rá onde…. (num
grito, bem do fundo da Alma estende os braços) MEU FILHO!!!!!
FIM DO 1º
ACTO
2º ACTO
Cais da Rocha do Conde d’Óbidos, Lisboa. Transatlântico
encostado …. É o Niassa
Depois da parada militar é permitido aos
militares um último adeus à família e amigos. Eram naturalmente momentos de
enorme intensidade dramática. Após o que embarcavam.
Ambientes
iluminação e efeitos sonoros a propósito. Todos os elementos do grupo
disponíveis, em palco como familiares que se despedem, ou militares que partem.
De modo a não afectarem a percepção dos diálogos das personagens centrais, podem
e devem intervir com frases a propósito que alternam com murmúrio de multidão
segundo determinação da encenação.
André, embora
respeitosamente, tal como o”Niassa” está atracado ao cais, está ele por sua vez
atracado à Rosinha.
Ela e a mãe de André,
esforçam-se por reter as lágrimas. O pai figura patriarcal da família, parado
direito e com um esgar facial entre a cãibra e o sorriso.
A mãe, entre o pai e a
rosinha, não para de ajeitar a farda do garboso 1º Cabo André Silvados – o
Pinante para os camaradas….
André – Rosinha?
Esperas por mim?
Rosinha – Hei-de contar
as semanas, os dias, as horas, os minutos e ao acordar será para ti o primeiro
pensamento…
Vou pôr flores ao pé do
teu retrato, todos os dias. E vou começar a bordar o véu de noiva que hei-de
usar quando casarmos.
André – E eu Rosinha,
Fardado de Sargento, tudo a dourado…. Vais ver…
Rosinha – É mais bonita
que a farda da “busa”? (a banda filarmónica)
André – Se é mais
bonita???? É assim mal “acomparado” a Rainha Santa e a “T’amaratónha”(Ti’ Maria Antónia, uma anciã, que
coitada pouco devia à beleza e “amandava” uma “bigodaça” de respeito)
Mãe – André!!!! Já te
disse que não fales assim da velhota…. Ela até passou lá por casa e deixou uma
bôla de carne para levares…. Diz que é pró caminho…
Desde que eras menino….
que ela gosta de ti… Eras um menino tão lindo…. (e as lágrimas atrevidas assomam-lhe
às pálpebras, disfarça virando-se para o lado fingindo observar o paquete.)
André – Era não!!! Sou!!!!
Rosinha – Vaidoso!!!
Riem todos…
Pai – Gaba-te
cesto!!....
Todos - …. Que amanhã
vais à vindima!!!!
Riem de novo.
Poderoso e fero, o
“ronco” da sirene do navio sobrepõe-se a
tudo.
André perfila-se
perante o pai faz a continência a que o pai corresponde, e diz.
André – Estão a
chamar-me…. Sua bênção meu pai!
O pai puxa-o para si e
abraça-o fortemente e vá lá saber-se como, uma lágrima bailarina, percorre-lhe
a face sulcada de rugas e curtida pelo Sol e a neve.
André também passou a
mão pelos olhos, mas logo um sorriso lhe assoma ao rosto, como o Sol que irrompe
das nuvens…
André – Sua bênção ‘nha
mãe.
A mãe cobre-o de
beijos, de mistura com uma corrente indomável que lhe brota dos olhos. Mal
conseguindo dizer:
Mãe - Deus te guarde
meu filho… Deus te guarde….
Esta torrente maternal
quase não tinha fim. Firme, se bem que suavemente o pai agarrando-a pelos
ombros, tenta em vão separá-la do rapaz…Luta absolutamente desigual. Nada é
mais forte que o amor maternal. O pai maneava a cabeça na direcção da Rosinha e
então a pobre da Maria, lá aceitou ficar-se pela solidão das suas lágrimas.
O André “rouba” um
beijo à cachopa. Os pais fazem de conta que não viram. Então a libido e os
vinte anos de ambos fazem o resto… Fundidos num só, trocam carícias…
O “rásparta” do vozeirão
do barco irrompe de novo, rugindo a ordem de embarque que o arranca aos braços
trémulos da rosinha que lhe diz num soluço:
Rosinha – Escreve!!! Cá
fico à espera! Escreve amor!!!!
Passam por eles
camaradas do André… Perdão! Do Pinante….
1º Camarada – ‘Bora
Pinante… é a última chamada!
2º Camarada – Pinante…
“‘Tá do ir”….
Sobem as escadas de
embarque a correr e vão empoleirar-se onde calha e de onde vêem, e acham que
serão vistos, pelos seus durante mais tempo, numa tentativa vã de inverter a marcha
do tempo….
Acena-se freneticamente dum lado e doutro do
cais. De cá, de permeio com lágrimas e lenços a acenar, que escrevem no espaço:
Nós amamos-vos tanto…. E de lá, sorrisos confiantes que dizem: Não se
preocupem. Vamos voltar… Isto mesmo,
pode ser dito de um lado e o outro do cais…
O navio afasta-se….
A mãe ainda balbucia:
Mãe – Adeus meu querido filho!
Rosinha – Cá estarei
meu amor!!!
Breve pausa.
Mãe – Eu cá só me
apetece é ficar aqui até quê’le volte.
Rosinha – Eu fico
consigo, senhora minha mãe.
Pai – Vá… Vamos mas é
p’ró comboio, que os animais já hão-de estar com fome.
FIM DO 2º ACTO
INTERVALO
Em cena: o André –o
Pinante – Um camarada – O metralha – O Capitão Faria, O Alferes Miliciano
Almeida; o Furriel Miliciano Enfermeiro Fonseca - o Tesouras – O Tenente
Esteves – o Chico – e o corneteiro – o Armstrong ….
Alferes Almeida – Óh
Armstrong, Toca aí para o arriar da Bandeira!!!! (efeito sonoro correspondente)
Para além deste
duvidoso interprete musical, perfilados no centro da parada estavam já o
Pinante, cabo de dia à unidade; o Furriel Tesouras, Sargento de dia à unidade e
o Alferes Almeida de Oficial de dia. Soa o toque e o Tesouras vai descendo a Bandeira Nacional e toda a gente presente na
parada em continência. Terminado o acto o alferes Almeida comanda:
Alferes Almeida –
Direita vol…. ERRRR. Destroç…ARRR.
Dirigiram-se todos
para debaixo do telheiro.
Pinante – Óh Tesouras o
“Heli” hoje trouxe correio? É que vai p’ra uma semana que tive o último
“aerograma”
Tesouras – Não, não
veio nada, só correio para o comando.
Metralha – Estás é mal
habituado… Eu há mais de um mês que não me toca nada…É que ninguém me pergunta
o q’ué q’eu tenho!!!
Pinante - ’Atão tu não tens uma “flausina”lá na Châ,
a morrer d’amores por ti.
Metralha – Só me
escreve a velhota. Quer dizer… Escrever, escrever não escreve. Quem escreve os aerogramas é o
Padre…. Porra, é cada seca….A velhota, mesmo analfabeta, não dizia aquelas
“parvoadas”. Um dia destes mostro-tos,
tenho-os todos guardado, percebes…. seja
como for, são da minha mãezinha!
O Capitão Faria sai a
porta do pavilhão do Comando com o tenente, e chama pelo Alferes.
Capitão Faria – Óh
Almeida trate de avisar toda a gente que p’rá semana vem aí uma equipa da TV,
para gravar as mensagens de Natal.
Alferes Almeida – OK
Capitão, fique descansado.
Tenente Fonseca – o
Chico - O pessoal que passe pelo Escovas – O barbeiro da companhia – q’ueu não
quero gajos com mau aspecto a falar p’rá Metrópole…
Pinante – (Entre dentes…) Mau aspecto tens tu que andas
sempre bêbado… Chico da merda.
Alferes Almeida –
Coitado é um frustrado. Sabes ó Pinante, este gajo anda sempre bêbado e é assim
porque é um menino da Academia Militar, foi fazer no curso de “paras” e chumbou.
Esses tipos levam isso como um caso de honra, neste caso, de desonra. Então
radicalizou-se militarmente para disfarçar o seu falhanço. Tu que és um tipo
inteligente, entendes que ele é, é digno de pena.
Pinante – Não sei meu
alferes…. Eu também cheguei aqui com montes de basófia, que ia matar “turras”
como quem mata moscas, também vi destruídas a minhas convicções, e nem por isso
me entreguei à bebida ou me tornei mau. Mas também não me tornei cobarde.
Alferes Almeida – Isso
é verdade, diz-se p’raí que davas um bom Sargento…
Metralha – Elá… Ó meu
Sargento Pinante.
(mima a continência)
Pinante – Porra…
Escolhe outro. Quero é ver-me livre desta estúpida guerra e ir para a terra
estudar, casar e trabalhar.
Esta guerra não é p’ra
mim… E se virmos bem, nem é para ninguém. (Sem se darem conta, a noite foi caindo.
Efeitos sonoros de noite africana. O Pinante acende um cigarro, puxa duas
fumaças e prossegue) ….
Lá em Portugal é fácil
convencerem-nos de que esta guerra é uma guerra patriótica… E tal….. E porquê?
Porque nós lá estamos completamente às escuras acerca do que é isto aqui.
Dei muita volta na cama
e à cabeça, para encaixar nas minhas ideias, a valentia, as ganas, com que os
pretos lutam. Claro que não encaixava! Lutar da maneira que lutam e serem
cobardes!!!! Não bate certo. Então entendi que só podia ser por uma razão…. (puxou de mais umas fumaças. Notou
então que os seus camaradas esperavam uma conclusão. E não os desiludiu)
Estamos aqui a fazer
guerra em nome duma mentira pegada. Esta terra é deles, por isso a defendem com
unhas e dentes. E, levem-me preso, façam o que quiserem, mas ninguém me tira
desta.
Fez-se um silêncio
sepulcral… Estavam todos ainda a digerir o que o Pinante tinha dito. Bom, todos
não….Ao Alferes via-se-lhe um brilhozinho nos olhos. Levantou-se deu uma
palmada amigável nas costas do Pinante e disse:
Alferes Almeida – Algo
me diz que estás cheio de razão… Havemos de falar mais sobre isso. Mas agora
vou Jantar. Boa Noite.
Tesouras – Também vou…
Até amanhã.
Todos - Boa noite… Até amanhã.
Metralha – Mas olha lá.
Eu já estive contigo em combate e tu lutas como um leão!?!?
Pinante – É que temos
de ser uns para os outros. Temos que nos proteger em conjunto, fazer uma
equipa. É assim como treinar cães pastores lá na terra. O treino aproveita o
instinto caçador dos animais tal como os que mandam, usam a nossa entreajuda
para fazer esta guerra suja. Percebes?.... (o metralha não entendeu lá muito
bem, mas faz que sim com a cabeça)
Bom…. Vamos jantar?
Metralha – Vamos
embora. O que é que será a bóia?
Pinante - deixa-me
adivinhar!!! É arroz…..
Metralha – Estou farto
de arroz…. Um dia vou-me ao Bolinhas - o cozinheiro – e esgano-o.
Vão dali até ao
refeitório. A cena fica vazia de personagens. Aproveita-se esse facto para,
mantendo o cenário, avançar uma semana. Em cena o Pinante e o Metralha, mais
uns quantos figurantes. Um operador de câmara e uma anotadora da produção da
TV.
O operador fixa a
câmara num determinado enquadramento e nele vão desfilando os diversos
figurantes mais o Pinante e o Metralha E todos repetem como se de uma ladainha se
tratasse. Apenas muda de caso para caso o nome e a povoação contactada, e as
pessoas a que se dirige… (sugere-se, como mero exercício, que cada actor,
respeitando a formula base, improvise e dê um nome da sua personagem, para onde
e para quem se dirige a sua mensagem…. Exemplo:
Metralha – Daqui fala o
Soldado Joaquim de Sousa Mendes, para a Chã, Concelho do Sobral. Para a sua
querida mãe, irmã, tias, tios, sobrinhos e primas, desejando um bom Natal e um
Ano Novo cheio de prosperidades…. (alguns enganam-se e dizem: propriedades)…. Como
vêem estou bem…. Adeus, até ao meu regresso!
Pinante - Daqui fala o 1º cabo André Vaz Silvados, directamente para Tinalhas para a sua noiva: Rosinha, pais restante família e amigos, desejo-vos um bom Natal e um ano novo prósporo.... Eu estou bem.... Adeus até ao meu regresso!
O desfile contará com o número de personagens disponíveis e tidos como necessários. E como é evidente pode-se explorar todo o tipo de “gags” possíveis, sem contudo, e isso é um cuidado que recomendo, fazer chacota primária com as situações. Para quem nunca viu, esclareço, que as mensagens de Natal eram e são um retrato sociológico da nossa tropa na Guerra Colonial e um evidente decalque da riqueza e diversidade do nosso povo, que como é óbvio, nos deve merecer o devido respeito.
Pinante - Daqui fala o 1º cabo André Vaz Silvados, directamente para Tinalhas para a sua noiva: Rosinha, pais restante família e amigos, desejo-vos um bom Natal e um ano novo prósporo.... Eu estou bem.... Adeus até ao meu regresso!
O desfile contará com o número de personagens disponíveis e tidos como necessários. E como é evidente pode-se explorar todo o tipo de “gags” possíveis, sem contudo, e isso é um cuidado que recomendo, fazer chacota primária com as situações. Para quem nunca viu, esclareço, que as mensagens de Natal eram e são um retrato sociológico da nossa tropa na Guerra Colonial e um evidente decalque da riqueza e diversidade do nosso povo, que como é óbvio, nos deve merecer o devido respeito.
Após esta cena, e
ainda no mesmo cenário, Reinicia-se a acção cuja se situa temporalmente umas
semanas depois. A tropa está formada na parada. À frente da Companhia está o
capitão.
Capitão Faria – Antes
de destroçarem tenho uma coisa para vos dizer…. Chega daqui a dois dias uma
coluna de um Esquadrão de Cavalaria que nos vem render….
A tropa endoida….
Mandam os “quicos” ao ar, dão cambalhotas e saltos e gritam vivas…. O Capitão
sorri complacente desta súbita anarquia…. As coisas vão a pouco e pouco
serenando e a tropa retoma a formação de parada… O Capitão retoma a
comunicação.
Capitão Faria – O
esquadrão é comandado pelo Capitão Salgueiro Maia, um bom amigo e um militar a
sério.
Aproveito para dizer
que foi um prazer comandar-vos. E queria pedir-vos um último favor: Quando
chegar a “maçaricada ”transmitam-lhes tudo o que acharem que lhes será útil no
seu futuro aqui no aquartelamento… (e olhando ostensivamente para o
Tenente Esteves) …. Gostaria igualmente que não exercessem “praxes” ou outros estúpidos
rituais, para fazer deles “homenzinhos”, porque isso é o que eles têm de mais
certo. Daqui a nada já serão veteranos…. (o visado, o Tenente Esteves,
Fazia com a cabeça que sim , mas a expressão normalmente aparvalhada pelo
álcool, trazia algo de demoníaco à mistura….)
O Capitão conclui.
Capitão Faria - Bom
Rapazes…. Atenção…. Firme… Sem…OP…. Direita vol…ER…. Destroç….AR.
Toda a gente voltou ao
“Granel”… Mais parecem rapazolas felizes…..
As luzes em “fade out”
Marcam a mudança de cena.
O mesmo local uma semana depois.
Nota – A propósito,
revela-se necessário encontrar uma forma expedita de nestas sucessões cénicas
com saltos temporais de monta, tornar-se expresso o enquadramento cronológico.
A minha sugestão é que a preceder a cena uma voz “off” o anuncie. Neste momento
em off, diria: UMA SEMANA DEPOIS.
Há gente nova em cena,
com um ar que revela: Como é que aqui viemos parar????
Formam-se pequenos
grupos debaixo dos telheiros. O Tenente Esteves passeia-se pelos alpendres no
seu passo incerto, recolhendo as “palas” (continências) como um artista
cabotino recolhe os aplausos dos “fans”. Claro que só os novos é que assim
procedem, os mais velhos, estão-se nas tintas para ele. Um mais distraído esqueceu
a continência e o Tenente:
Tenente Esteves
–Pst…Pst….Pst… Óh nosso pronto, então o que é que se faz quando passa por um
SUPERIOR???
Maçarico – (perfila-se)
Desculpe meu Tenente não o vi!
Tenente Esteves – Pois
devia ter visto! Como castigo Vai mais cinco distraídos da sua laia à água….
Ir à água era uma
operação militar de algum perigo. Não raro, a pequena coluna militar em pouco
mais de 3 Kms do quartel era emboscada….
O alferes Almeida, o
Pinante e o Metralha, estavam a ver aquilo e trocaram uns olhares…. Diz o
Pinante:
Pinante – (pegando na G3) Eu vou com eles antes que haja
merda….
Tenente Almeida – Ia
pedir-te isso mesmo.
Metralha – Vou
contigo!!!
Pinante – porquê? ‘Tás
com medo q’eu me perca???? Mas ‘tá bem anda lá.
E lá vão. O carro da
água, a mula da Companhia, era uma GMC “muita” velha mas que até trepava
paredes se fosse preciso, e tinha em cima um enorme depósito onde trazia a
água. Ruido de camião a afastar-se.
Entretanto ouve-se uma
forte explosão, tiroteio intenso, rajadas de metralhadora e explosões de
granadas.
Alferes Almeida –
Ninguém sai…. (grita)
Peguem nas armas e corram para os abrigos…..
Pouco depois cessa o
tiroteio… O pessoal começa a abandonar os abrigos… Os novos completamente
aparvalhados.
Nisto entra a correr o
Metralha. Em Grande agitação, apenas grita uma palavra…
Metralha – NÃO …. NÃO….
NÃO……
Alferes Almeida – (sacudindo o metralha) O q’ué que foi???? Q’ué do Pinante?
O Metralha chora
convulsivamente. Chegam-se ao pé dele o Capitão Faria E o Salgueiro Maia, outros
oficiais, e todos se juntam fazendo uma meia Lua virada para a boca de cena, à
volta do rapaz da Chã….
Metralha – O Pinante…..
O Pinante…….
Corpo e mente
endurecidos pela guerra, a pouco e pouco o Metralha vai retomando o
auto-controle….
Caímos numa emboscada
logo ali na curva mais à frente. Coitados dos novos ficaram sem cor e todos
juntinhos sem saber o que fazer. Então cai uma granada no meio deles e o
Pinante saltou para cima dela (soluça de novo) . Ficou todo aos bocadinhos espalhado pelo
mato. Depois os “turras”, até parece que por respeito, pararam o ataque.
Em cena a mãe do
André, o pai, e a Rosinha Todos de luto carregado.
O navio encosta lançam
a escada e de imediato salta para o cais a soldadesca louca de felicidade ao
encontro dos entes queridos….
A família do André
está ligeiramente afastada da multidão e mais perto da boca de cena.
O Capitão Faria
dirige-se-lhes. E estende para a moça um pequeno embrulho que trazia na mão.
Capitão Faria - Minhas
Senhoras, meu caro senhor, (diz perfilado) Em meu nome e em nome da Companhia queria
que soubessem que todos sentimos muito a perda do Pi…. Do André. Ele havia de
querer que vos entregasse isto. São os “aerogramas” que recebeu de vós. Acho
que é o mínimo que posso fazer pela vossa perda. Voltamos menos do que fomos,
mas a perda do vosso filho e noivo, no último dia de “mato” e porque era um
amigo de todos, é um espinho permanentemente cravado nas nossos corações.
Uniu os calcanhares,
dobrou a cerviz, beijou a mão às senhoras e apertou a mão ao pai.
Capitão Faria – Então
com vossa licença….
Rodou sobre os
calcanhares e foi aos seus afazeres.
Irrompe alto e bom som
a cantiga do soldadinho que volta numa caixa de pinho…. – Menina dos olhos
tristes.
Cantada por todos os que estão em cena,
enquanto um esquife de pinho tosco é transportado até à família, posto o que dá
a volta ao palco. É pousado em cima de
um estrado no centro da boca de cena….. Todos os actores desmancham as
respectivas personagens e na boca de cena concluem a cantiga. E incentivam o
público a acompanhá-los…..
Composição:
José Afonso, Poema Reinaldo Ferreira
Menina dos
olhos tristes
o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
Vamos senhor pensativo
olhe o cachimbo a apagar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
Senhora de olhos cansados
porque a fatiga o tear
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
Anda bem triste um amigo
uma carta o fez chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar
A lua que é viajante
é que nos pode informar
o soldadinho já volta
está mesmo quase a chegar
Vem numa caixa de pinho
do outro lado do mar
desta vez o soldadinho
nunca mais se faz ao mar
FIM
António
Capucha
Vila Franca de Xira, Maio de 2010
1 comentário:
Grande responsabilidade me passaste!! Já li e gostei, e já me deu algumas ideias. No segundo semestre avançamos com o levar isto a cena.
Andava a trabalhar (bem, só no plano das ideias!) em fazer alguma coisa sobre este tema, mais virada para o "trauma", com base em testemunhos de ex-combatentes. Sem dúvida, este é um tema fundamental, trabalhar este tema é fundamental.
Grande abraço, vou-te mantendo envolvido.
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