Chamava-se e chama-se Adelaide. Tem agora cinquenta e tal anos, e está nua em frente do espelho, de pé. Este devolve-lhe uma silhueta ainda agradável, as pernas sem varízes, nem derrames e a pele leitosa, uma ruga aqui e ali, e um pneuzito a esbater a anterior cintura de vespa. As ancas amplas e a fazerem aquelas bochechas sexis, bem medidas. Ainda capazes de partir nozes, digamos assim..... Os olhos pararam-se-lhe no triângilo de farta cabeleira castanho arruivada que outrora terá sido penugem ruiva, e o pensamento regredindo décadas, voou até aqueles anos em que ainda menina, a "laidinha" de sua mãe, Brincava aos médicos e maridos com o "toninho" do terceiro esquerdo. Rapazola escorreito e bonito. E fincou-se-lhe uma sensação de prazer, doce , galopante e dolente ao mesmo tempo. Ah se pudesse voltar atrás. Em nome da virtude nunca alcançada, cortou-se de coisas feias, passou o Liceu a morder os lábios. O recato em vez da aventura e do desejo. A sua mão não parava de afagar a púbis, os olhos desvairavam-se-lhe, e o pensamento, esse, voava longe e alto , fora de mão. Os rapazes que lhe rapavam as curvas, isso.... Só rapavam..... E o viço ia-se, à exacta medida em que o pudor e aquilo a que chamava virtude, iam vencendo, queria-se limpa para comungar todos os dias.... Deus ganhava dia a dia uma amante segura e casta e os rapazes, pretendentes, fogosos e pinantes, ganhavam uma frustante tentativa. Endoideciam e iam para a Legião Estrangeira, espiar supostas insapiências.
E agora aqui estava ela, a pensar no que houvera perdido em nome de sabe-se lá o quê. Daqui a nada sou velha ressequida e senil, e que tenho eu, terei garantido um lugar no Céu? Não sei, vezes sem conta cometi o pecado da arrogância, quando despedacei o coração de algum pasmado.... Achei-me boa demais para os indignos e voluptuosos corçéis que se cruzaram comigo na minha vida. Nem um filho tenho para me amar nem um ex-marido a quem chorar.... Seca, seca de todo. Até que a senilidade venha e deixe de ter consciência de ser. "Vai o Rei que ninguém quis , Vai o passo de um anão, vai um tiro de canhão...... E o trono é do charlatão"..... Que fizeste da tua vida, Adelaide? Que foi Adelaide, resta-te a esperança de haver Céu.
Estarão neste momento a interrogar-se. Mas então este safardana do bloguista é um escritor, além de meia tigela, pornográfico!!!! Contesto veementemente. Este modesto texto é sobre sentimentos. É sobre o arrependimento de uma vida vazia que corre para o fim, sem ter tido meio. Isso sim..... Se não viram isso, arrependei-vos, antes de serem presentes ao tribunal do Céu..... O resto é "Mise en scène"
António Capucha
Vila Franca de Xira,23 de Outubro de 2012
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